segunda-feira, 23 de julho de 2012

MORRO DA SANTA CRUZ

Fabricio Vargas

Nem bem o sol saía
E lá estavam elas, de terços nas mãos, no morro da cruz...
O dia amanhece mais cedo
Pra quem faz parte da guerra,
Angústias calam fundo,
Mesclando esperança e razão.

A esperança tinha as mãos tremulas
De contar os dias e os terços,
De lidar entre a cozinha e o campo,
Os filhos e o gado...

Haviam resolvido ficar na casa grande,
Contando as horas e os terços,
Cuidando dos limites entre a sensatez e a loucura.
Não sabiam que a guerra ali chegaria,
Pois não imaginavam que seriam inclusas
Na briga de outros, com os seus.

“É quando torce o baraço que amadurece a melancia”,
(Assim já diziam os mais antigos).
Pois só se deram conta que ali não podiam ficar
Quando o medo abriu a porteira da estância e se arranchou.

O morro da cruz foi refúgio da rebeldia,
Nem sabiam por quanto tempo ali ficaram,
Não se mede o tempo na guerra,
Só a fúria dela...

Quando a noite chegava e vinha o medo,
Aprisionavam as mãos tremulas
Na escuridão de um tempo sem paz,
As rezas eram longas,
Pois era o que restava,
Só a fé as manteria vivas.

Entre sussurros mal trapilhos,
Se ouvia o crescer do bate- casco,
Os estouros da tropa, o delírio dos vivos
E o silêncio dos mortos...

Desesperadoras eram as noites...
Entre adagas e lamentações,
Entre rezas interrompidas
Por medo do corte das vidas
Quando as espadas cortavam o ar.

Era no morro da cruz
A divisa do medo e da coragem
Por vezes mais medo das almas famintas
Que vinham buscar guarita num solo fecundo.
Por outras, coragem pra enfrentar o descaso,
Das noites infindas se escondendo.

As mãos enrugadas da mãe
Acalantavam a filha e a nora,
Pois os homens foram embora,
Deixando tudo pra traz.
Se foram para o combate
Pra campear outros caminhos
Mesmo com olhos de menino,
Miravam sangue nas degolas
Em um tempo sem paz.

Numa das noites o rumor chegou perto,
Enquanto debruçadas sobre os pés do Senhor
Buscavam alento pra acalmar a loucura,
A planura se esvaia em sangue,
E aos poucos os gritos mermaram...

Pararam a reza, gritaram por paz...
E de terços nas mãos,
Foram morrendo aos poucos,
Não pelo fio das adagas
Muito menos por fome ou doença...
Dizem que foi pela crença,
Pois teimavam em viver
Vagando por entre as preces...

Encontraram a morte, como quem volta pras “casa”,
Mirando no espelho da vida, a própria imagem,
Deitaram no Morro da Santa Cruz,
Nem bem o sol saía, e se encontraram com Deus!

Suas histórias não estarão nas páginas dos livros,
Nem nas fotografias amareladas, em paredes de museus,
Talvez sejam encontradas, em altares, de casas simples e brancas,
Semeando paz aos tormentos das mães e filhas dos tempos de hoje!

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