Muitas são as versões que giram em torno da origem do violão. Sabe-se que a guitarra acústica surgiu a partir da Cítara romana, levada à Península Ibérica pelos romanos na metade do ano I da era cristã. A partir do seu surgimento, veio adquirindo várias adaptações e adotando nomes distintos de acordo com a época. Nomes como guitarra renascentista, guitarra barroca e guitarra clássico-romântica, foram algumas das denominações dadas ao violão desde seu surgimento.
Em Portugal, o termo violão aparece no final do século XIX, em alusão a um dos mais representativos instrumentos regionais da época, a viola. O nome aparece para designar o surgimento de um instrumento assemelhado à viola, mas de maiores proporções; uma viola grande, ou, dito pelos portugueses, um “violão”.
Para os Espanhóis, guitarra, para os Portugueses, violão. Assim é chamado aqui na América do Sul, esse instrumento que veio da Ibéria com os primeiros colonizadores. O instrumento é o mesmo, mudando apenas a nomenclatura e a linguagem musical.
Meio Português, meio Espanhol; este é o biotipo do povo sul riograndense, principalmente do gaúcho como tipo social, que tem no violão o seu parceiro de todas as horas por ser um instrumento musical prático e leve, podendo ser carregado até sobre o lombo do cavalo. É com o violão que o gaúcho expressa os seus sentimentos desde o início da sua história, há mais de três séculos. Não quero aqui impor nenhum tipo de disputa entre instrumentos para eleger qual o “mais gaúcho”, mas é bom lembrar que os aerófonos (categoria que inclui todos os tipos de acordeons e também o bandoneón) só chegaram aos pagos gaúchos em meados do século XIX, trazidos pelos imigrantes alemães e italianos.
Quanto mais para baixo no mapa sulino, mais nos avizinhamos dos castelhanos e mais acentuada se torna a mescla de influências que determinam o estilo gaúcho de tocar violão. Deste convívio, resulta uma mistura de sotaques que se torna evidente, quando trazemos à tona a história do violão aqui no Sul do Brasil.
Pelo que se sabe, o violão gaúcho começa dar seus primeiros passos lá pelos anos 1960, década da “explosão” do violão brasileiro, quando alguns músicos, como o bageense Octacílio Amaral, consagra-se no Brasil tocando temas folclóricos gaúchos e em 1968 grava o LP “Sua Excia. O violão de Octacílio Amaral”, este com a música-sucesso Intitulada “um fandango em Bagé”. Nesta época, os violões ainda não tinham pré-amplificação e o que garantia o volume do som era o timbre estridente das cordas de aço. É nessa época de poucos recursos técnicos que surge outro importante violonista: Antoninho Duarte, integrante da Dupla Mirim, que popularizou o “violão dançável”, gravando oito LPs com a referida dupla e mais 5 com solos de violão, contendo ritmos como rancheira, polquinha, bugio, vanera, entre outros. Vindo de outra vertente , o missioneiro Noel Guarany, em sua obra, priorizou o violão e foi um dos que trouxeram os ritmos argentinos como a chamarrita e o chamamé para o Rio Grande do Sul. Nesta época, já tínhamos os violões com cordas de nylon e já se usava muito pouco os antigos violões dinâmicos.
Em 1970, surge a Califórnia da Canção Nativa e inaugura o ciclo dos Festivais Nativistas do Rio grande do Sul. Com o advento dos Festivais, aparecem músicos vindos de outros estilos trazendo informações novas para o violão gaúcho, agregando características harmônicas e melódicas até então não utilizadas. Violões de melhor qualidade foram aparecendo (inclusive os importados), com captador adaptado às cordas de nylon, e alguns Luthiers (fabricantes) de violões começam a surgir no Rio Grande do Sul.
No início dos anos 1980 chega ao Rio Grande do Sul o violonista argentino Lúcio Yanel, trazendo uma contribuição enorme para o violão gaúcho: o toque com pegada, garra e virtuosismo, associado a um estilo peculiar de tocar violão. Também na década de 1980, Oscar Soares, componente do grupo Os Mirins, levou o violão de forma efetiva para dentro dos estúdios de gravação, sendo talvez o violonista com maior número de participações em discos ao lado de quase todos os artistas regionais do Rio Grande do Sul.
No final dos anos 1990, o Santanense Luis Cardoso recebe o título de “o violão da década”, premio instituído pela emissora RBS, como reconhecimento aos seus incontáveis troféus de “melhor instrumentista” nos Festivais Nativistas. Maurício Marques, aluno de Mário Barros, surge sob influência do violão erudito e acrescenta toques da música clássica ao violão gaúcho. Começam a aparecer no Rio Grande do Sul mais discos exclusivamente de violão: Lucio Yanel, em 1983, lança pela gravadora Continental o álbum “La del sentimento”; Juliano Trindade (Bonitinho) mistura timbres de violão e guitarra no LP Guitarra gaúcha, primeiro disco instrumental com releituras de temas cantados.
No ano de 1998, é lançado “Estrada do Sonho”, o primeiro CD de Marcello Caminha, abrindo porta para mais oito até agora, dentre eles a trilogia Clássicos Gaúchos ao violão, Hinos brasileiros ao violão, Tangos e Canções natalinas, estes três últimos inéditos no Rio Grande do Sul em termos de repertório.
Na década de 1990, aparece nos Festivais um menino chamado Yamandu Costa que, seguindo a escola de Lúcio Yanel, mesclada ao ícone do violão brasileiro Rafael Rabello, traz à música gaúcha o violão sete cordas e influencia toda uma geração de violonistas, dentre eles o cruzaltense Arthur Bonilha que segue o mesmo caminho, misturando toques da música brasileira ao violão gaúcho.
Lá de Dom Pedrito, vem Maykell Paiva, que deixa bem clara, no seu CD de estréia, intitulado Do meu jeito, a influência dos ritmos uruguaios no violão gaúcho. Na missioneira São Luiz Gonzaga, o menino Caray Guedes já não é mais promessa e, ao lado da família Guedes, impõe-se através do seu violão.
Com certeza, deixei de citar aqui muitos nomes importantes. Se não fosse me alongar muito, poderia contar também um pouquinho da história Zé Gomes, Osmar Carvalho, Ênio Rodrigues, Valmir Pinheiro, Ribamar Machado, Márcio Rosado, Sérgio Souza, Fabrício Harden, Ricardo Martins etc. e os da novíssima geração: Maurício Lopes,Diego Geisler,Tiago Antunes, Felipe Raduns e Felipe Barreto, todos eles com imensa contribuição para essa mistura de timbres que compõe a sonoridade do violão gaúcho.
Minha ocupação nestes últimos anos tem sido estudar as particularidades que acercam o estilo de tocar violão aqui no Rio Grande do Sul. Esta mistura de linguagens, meio brasileiro, meio castelhano, esta “pegada” forte, a alma gaúcha traduzida em acordes e a certeza de que geração após geração o violão estará se renovando nas mãos de outros “guitarreros/violonistas” que virão a surgir.
Neste período, tenho observado ainda a procura dos jovens músicos pelo estudo do violão gaúcho e muito me orgulha em ser um exemplo pra muitos deles que seguem o meu caminho, o de retratar a cultura gaúcha pelas cordas do violão.
Sem comentários:
Enviar um comentário