No século XVII, ocorreu a formação dos rebanhos no Estado do Rio Grande do Sul. Em 1634, o Padre Cristóvão de Mendoza trouxe uma tropa de cerca de 3 mil cabeças de gado vacum e equino para as reduções jesuíticas. Muitos pesquisadores consideram esta como sendo primeira tropa introduzida no Brasil, vinda de Corrientes, Argentina. Chegada essa tropa, os animais foram sendo distribuídos pelas reduções jesuíticas há pouco fundadas. A circulação desse gado, onde hoje se situa o Estado do Rio Grande do Sul, foi responsável pela abertura e melhoria da rede de caminhos do centro e oeste do Estado, no século XVII.
No início do século XVIII,
A Vacaria do Mar, situada entre a Lagoa dos Patos e os rios Jacuí e Negro, estava sendo saqueada pelos espanhóis e pelos portugueses, com o auxílio dos índios minuanos, para obtenção de couro e graxa que exportavam em larga escala. Os missionários pensaram em afastar o gado para lugares distantes, preservando-os do extermínio eminente, sendo necessária à criação de outra “vacaria”.10
Conforme Cesar (2005), neste momento, os jesuítas escolheram um lugar longínquo para formar uma reserva de gado que fosse inacessível aos preadores. Ordenaram que os campos do planalto nordestino fossem povoados com oitenta mil reses, fato que originou o surgimento da Vacaria dos Pinhais.
A contar daí, passaram a ser frequentes as tropas pecuárias tangidas pelos guaranis, através da picada aberta nos matos português e castelhano, na direção dos Sete Povos Orientais ou suas estâncias ou “estanzuelas”. Esta linha de tropeirismo somente começou a declinar em meados do século, quando se acentuou a infiltração paulista na Vacaria dos Pinhais. (RUSCHEL, 2000, p. 41)
No ano de 1694, na serra do Sabará, em Minas Gerais, foi descoberta a primeira mina de ouro. Esse marco deu início a uma grande mudança no Brasil, principalmente no sul. O Rio Grande do Sul, que até então se mantinha isolado do restante do país em termos econômicos e sociais, ligou-se à economia colonial brasileira. Nessa época, a exploração de ouro nas Minas Gerais acarretou a convergência de grandes quantidades de pessoas e, em consequência disso, o crescimento desenfreado das cidades. “É neste momento”, segundo a historiadora Sandra Pesavento (2002, p. 13), “que assumiram relevância os rebanhos de gado no sul do país, conectando-se o Rio Grande do Sul à zona das Gerais, como economia subsidiária da economia central de exportação”. A Capitania de São Paulo e as Minas Gerais sentiram grande necessidade de animais de cavalgadura. Em decorrência dessa necessidade, houve o interesse do governador Antônio da Silva Caldeira Pimentel em abrir uma estrada que ligasse a Vacaria do Mar ao centro consumidor paulista e mineiro. Como evidencia Goulart (1961)
Em 1727, Caldeira Pimentel, governador da Capitania de São Paulo, determinou a Francisco de Souza Faria que abrisse “um caminho de terra da Capitania de São Paulo aos Campos de Curitiba por onde possam passar gados e cavalgaduras...” Sousa Faria empenhou-se na emprêsa, e as peripécias por que passou êle mesmo os conta na “Notícia” que forneceu ao padre mestre Diogo Soares. (GOULART, 1961, p. 45)11
O caminho aberto, orientado por Francisco de Souza e Faria, recebeu o nome de “Caminho dos Conventos”; ficava à margem esquerda do rio Araranguá e foi a primeira estrada a ligar o sul ao restante do país. Esse caminho recebeu muitas críticas, conforme explica Goulart (1961) e foi posteriormente melhorado por Cristóvão Pereira de Abreu, que, em 1730, rumou a São Paulo com oitocentas cabeças de gado. Goulart (1961, p. 36) salienta que, após essa viagem, Cristóvão Pereira retornou ao sul “com um grupo de cento e trinta camaradas, para voltar em 1732 nas pegadas de 3.000 cavalos, como informa Varnhagen”. Cristóvão Pereira de Abreu é considerado o primeiro tropeiro do Rio Grande. Com vinte e um anos, Cristóvão tornou-se contratador de couros na Colônia do Sacramento. O couro e outros
elementos relacionados ao gado tiveram um crescimento considerável sob a supervisão desse português.
Tendo como contexto ainda a disputa entre Espanha e Portugal pelo Sul do Continente, depois de abertas as estradas e oficializadas as rotas de transporte, o comércio de gado ganhou força. Exportava-se gado vacum e cavalos, mas tinha-se preferência pelos muares12, por serem
12 Os muares, a mula e o burro, foram originados do cruzamento entre o jumento e a égua. A mula é o individuo
fêmea resultante desse cruzamento e é obrigatoriamente estéril. O burro é o indivíduo masculino desse cruzamento e também é estéril. Outro muar conhecido é o bardoto, é o cruzamento da jumenta (Equusasininus) com o cavalo (Equuscaballus). Não diferente, o bardoto também é estéril. Todos esses são animais de grande importância rural, devido à sua resistência e docilidade. De uma maneira geral se parecem com os cavalos, só mais adequados para a geografia montanhosa de Minas Gerais, como já explanado anteriormente.
Não se sabe ao certo o número de animais que foram exportados, mas estima-se que mais de 50 mil animais foram levados do sul durante a metade do século XVIII. A época preferida para as tropas saírem em viagem era setembro ou outubro, período de chuvas intensas, o que melhorava a qualidade do pasto encontrado pelo caminho. Na viagem, as tropas paravam nos campos de Curitiba, para engordar o gado, e de lá seguiam à Sorocaba, para participar da feira que ali se realizava entre abril e maio.
Segundo Straforini (2001), as mulas ocuparam o posto de principal meio de transporte até a realização da última feira em Sorocaba, em 1897. Segundo o autor, há divergências em relação às causas da decadência do tropeirismo no Brasil. Para Schimidt (apud STRAFORINI, 2001, p. 34), o declínio de tal atividade se deu em função do advento das estradas de ferro: “a expansão dos trilhos para o oeste paulista, bem como a estrada que ligava o Rio de Janeiro a São Paulo superou em muito a capacidade de transporte do café para o Porto de Santos que era realizado pelo muar, tornando esse inútil”. Em contrapartida, Oliveira (apud STRAFORINI, 2001, p. 34) acredita que as estradas de ferro não foram tão determinantes para a extinção do tropeirismo, uma vez que não estavam presentes em todos os locais necessários. As mulas continuaram a ser utilizadas em diversos outros serviços.
Straforini (2001) não nega que as ferrovias tenham contribuído para a decadência do fazer tropeiro, mas conclui que foram os veículos automotores que substituíram de vez a mula e o tropeiro nas atividades de transporte e nas atividades agrícolas. “A máquina, definitivamente, substitui o muar” (STRAFORINI, 2001, p. 35).
Os tropeiros abriram estradas, criaram vilas e cidades, ampliaram o desenvolvimento econômico do Brasil e, principalmente, possibilitaram a comunicação entre diversos pontos do país. Dessa forma, houve uma hibridização de culturas, o que resultou em construções de novas identidades, tema que será explorado na próxima seção. Conforme Nilza Huyer Ely (2000),
O tropeiro em intercâmbio comercial ou cultural; contando causos das viagens; homens acostumados aos rigores do frio do inverno serrano, às intempéries das planícies de Serra abaixo ou às lestadas13 à beira-mar; num trabalho constante de trocas, não apenas de mercadorias, mas também de hábitos e costumes, de cultura e tradição e principalmente de vivência. (ELY, 2000, p. 154) que as orelhas são mais compridas. Fonte: http://www.bichosbrasil.com.br/asininos-muares/. Acesso em: 23 jan. 2014.
Esse movimento teve grande impacto no Estado do Rio Grande do Sul, que sofreu fortes influências de culturas de diversas regiões.
2.3 A constituição de regiões tropeiras a partir de regionalidades: cidades e vilas ao longo
O historicismo do tropeirismo contado a partir do Rio Grande do Sul ou São Paulo ignoram os seguintes Caminhos/ramais porque não penetravam o território gaúcho nem paulista e/ou tampouco foram abertos por gaúchos ou paulistas.
Caminho dos Conventos: PR > SC (passando pelo campo "dos Curitibanos"- o "Pouso dos Curitibanos");
Caminho dos Ambrósios: PR > SC (antigo ramal dos Caminhos do Peabiru)
Caminho do Itupava, Caminho do Arraial, Estrada da Graciosa e ramais: PR (Campos de Curitiba <> litoral paranaense)
Curitiba-Sorocaba: PR <> SP (ramal do Caminho do Peabiru)
Estrada das Missões: PR > Argentina/Uruguai (passando pelo Rio Grande do Sul)
ramal das Missões: PR (Campos de Palmas <> Campos de Curitiba)