quarta-feira, 25 de julho de 2012

Anjo Negro

Hoje, no dia internacional da mulher negra, quero deixar uma simples mensagem, a uma mulher que foi especial na vida de muitos, Tia Juana ou Tia Negrinha, Negra véia para muitos, mas que para mim, ainda piá, lá no 5º distrito de São Chico, Vista Alegre, no fundo dos campos de minha avó, pude conviver com um anjo negro e ser curado em suas orações. A senhora, tia Juana, anjo que esteve entre nós, minha simples e modesta lembrança.
Anjo Negro

Uma velha cruz de pau ferro,
Bem junto a um capão de mato...
De braços abertos pra vida,
Sem uma circunscrição,
Sem uma data de partida,
Pois quem ali descansava...
Era alguém que nos cuidava,
Desde o tempo da escravidão;

Tia Negrinha, pra gurizada,
Negra véia pra os antigos...
Mas, hoje, ainda me lembro,
Seu ranchinho de leiva e taquara,
Coberto de Santa-fé...
Uma portinha pequena,
Um fogão feito de barro,
Ao fundo um catre de couro,
Com roupas brancas, alvinhas,
E as panelas pareciam espelhos,
Areadas à pedra e sol...
E mais na frente à Santinha;

Era somente uma peça...
Não havia quarto, nem cozinha,
Mas ela não vivia sozinha,
Dizia com sorriso largo:
- Quem está com a Virgem Maria,
E tem fé no Menino Jesus...
Talvez sofra pra carregar a Cruz,
Mas não morre de solidão!

Foi ela que nos ensinou...
(Mesmo sem ler ou escrever),
O poder de uma oração.
Quando juntava as mãos,
Fechada dentro de si,
Parecia que vinham luzes do céu,
E ela envolta em seu véu,
Tão alvo, mais alvo ficava,
Como se alguém lhe falasse,
E ela só agradecia;

Ás vezes eu me perguntava:
- O que tinha para agradecer?
Se aquele modo de viver,
Tamanha era a sua pobreza,
Mal tinha um pão na mesa,
Mal tinha um prato de bóia,
E os anos todos que sofrera,
Com a maldita da escravidão,
Mas ela dizia que o perdão,
Era o alimento pra alma;

Na infância eu nunca entendi,
Só com o tempo pude compreender,
Que existem anjos entre nós...
Porque se isso não for verdade,
Como é que a gente explica,
A doçura da tia Negrinha?
De onde ela tirava palavras tão belas?
De onde ela tirava aquele sorriso de luz?
E as orações que fazia?...

Chás, compressas, benzeduras,
Parteando filhos alheios...
E na solicitude dos outros,
(Até estranhos que fossem),
Estava sempre de prontidão;
E saia pelos campos...
Cruzando sangas, matos e peraus,
Contrita em suas orações,
Para levar uma palavra bendita,
Acalentando as almas sofridas.
Que se perdem ao mundo pagão;

E nos dias de tormenta...
Que varriam campos e matos,
Com raios rasgando o céu,
Derrubando casas inteiras,
E a dela tão pobrezinha,
Parece até que se embalava,
Ma nas orações da Tia Negrinha,
Ali a tormenta não vinha,
E ela, na sua fé, sozinha,
Entre cruzes de sal, abençoava;

Piá com quebranto, mau olhado,
Mordida de cobra, mijacão,
Bicho de pé, uma torção,
Pra tudo ela tinha uma reza,
E na fé de uma benzedura,
Curava as dores alheias...
Com seu tercinho em pedaço,
Que só saia dos seus braços,
Para enfeitar uma moldura,
Da imagem de Nossa Senhora;

Um dia tia Negrinha foi embora;
E eu não estava aqui para vê-la,
Mas, se quem morre vira estrela,
Sei que é ela que me ilumina,
E até hoje ainda me ensina...
As lições que eu não entendia,
Todos nós vamos partir um dia,
Sem um Adeus de despedida,
Deixando uma cruz solitária,
Com a data fria da partida.

Só, hoje, eu pude entender,
A velha cruz sem data...
Se a lápide fria retrata,
O tempo que aqui passamos,
É porque somos simples humanos,
E o humano nasce e morre;
Tia Negrinha era diferente,
Na forma mais terna de um ser,
Pra que possamos compreender,
Que a vida não é só riqueza,
E num ser, há mais que beleza,
Há coisas que os olhos não veem!

Tia Negrinha era diferente,
Só, hoje, eu pude entender,
Era um anjo junto da gente,
E anjo...anjo não pode morrer!

Fim

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