Hoje, no dia internacional da mulher negra, quero deixar uma simples mensagem, a uma mulher que foi especial na vida de muitos, Tia Juana ou Tia Negrinha, Negra véia para muitos, mas que para mim, ainda piá, lá no 5º distrito de São Chico, Vista Alegre, no fundo dos campos de minha avó, pude conviver com um anjo negro e ser curado em suas orações. A senhora, tia Juana, anjo que esteve entre nós, minha simples e modesta lembrança.
Anjo Negro
Uma velha cruz
de pau ferro,
Bem junto a um
capão de mato...
De braços
abertos pra vida,
Sem uma
circunscrição,
Sem uma data de
partida,
Pois quem ali
descansava...
Era alguém que nos
cuidava,
Desde o tempo da
escravidão;
Tia Negrinha,
pra gurizada,
Negra véia pra
os antigos...
Mas, hoje, ainda
me lembro,
Seu ranchinho de
leiva e taquara,
Coberto de
Santa-fé...
Uma portinha
pequena,
Um fogão feito
de barro,
Ao fundo um
catre de couro,
Com roupas
brancas, alvinhas,
E as panelas
pareciam espelhos,
Areadas à pedra
e sol...
E mais na frente
à Santinha;
Era somente uma
peça...
Não havia
quarto, nem cozinha,
Mas ela não
vivia sozinha,
Dizia com
sorriso largo:
- Quem está com a Virgem Maria,
E tem fé no Menino Jesus...
Talvez sofra pra carregar a Cruz,
Mas não morre de solidão!
Foi ela que nos
ensinou...
(Mesmo sem ler
ou escrever),
O poder de uma
oração.
Quando juntava
as mãos,
Fechada dentro
de si,
Parecia que
vinham luzes do céu,
E ela envolta em
seu véu,
Tão alvo, mais
alvo ficava,
Como se alguém
lhe falasse,
E ela só
agradecia;
Ás vezes eu me
perguntava:
- O que tinha
para agradecer?
Se aquele modo
de viver,
Tamanha era a
sua pobreza,
Mal tinha um pão
na mesa,
Mal tinha um
prato de bóia,
E os anos todos
que sofrera,
Com a maldita da
escravidão,
Mas ela dizia
que o perdão,
Era o alimento
pra alma;
Na infância eu
nunca entendi,
Só com o tempo
pude compreender,
Que existem
anjos entre nós...
Porque se isso
não for verdade,
Como é que a
gente explica,
A doçura da tia
Negrinha?
De onde ela
tirava palavras tão belas?
De onde ela
tirava aquele sorriso de luz?
E as orações que
fazia?...
Chás,
compressas, benzeduras,
Parteando filhos
alheios...
E na solicitude
dos outros,
(Até estranhos
que fossem),
Estava sempre de
prontidão;
E saia pelos
campos...
Cruzando sangas,
matos e peraus,
Contrita em suas
orações,
Para levar uma
palavra bendita,
Acalentando as
almas sofridas.
Que se perdem ao
mundo pagão;
E nos dias de
tormenta...
Que varriam
campos e matos,
Com raios
rasgando o céu,
Derrubando casas
inteiras,
E a dela tão pobrezinha,
Parece até que
se embalava,
Ma nas orações
da Tia Negrinha,
Ali a tormenta
não vinha,
E ela, na sua
fé, sozinha,
Entre cruzes de
sal, abençoava;
Piá com
quebranto, mau olhado,
Mordida de
cobra, mijacão,
Bicho de pé, uma
torção,
Pra tudo ela tinha
uma reza,
E na fé de uma
benzedura,
Curava as dores
alheias...
Com seu tercinho
em pedaço,
Que só saia dos
seus braços,
Para enfeitar
uma moldura,
Da imagem de
Nossa Senhora;
Um dia tia
Negrinha foi embora;
E eu não estava
aqui para vê-la,
Mas, se quem morre
vira estrela,
Sei que é ela
que me ilumina,
E até hoje ainda
me ensina...
As lições que eu
não entendia,
Todos nós vamos
partir um dia,
Sem um Adeus de
despedida,
Deixando uma
cruz solitária,
Com a data fria
da partida.
Só, hoje, eu
pude entender,
A velha cruz sem
data...
Se a lápide fria
retrata,
O tempo que aqui
passamos,
É porque somos
simples humanos,
E o humano nasce
e morre;
Tia Negrinha era
diferente,
Na forma mais
terna de um ser,
Pra que possamos
compreender,
Que a vida não é
só riqueza,
E num ser, há
mais que beleza,
Há coisas que os
olhos não veem!
Tia Negrinha era
diferente,
Só, hoje, eu
pude entender,
Era um anjo
junto da gente,
E anjo...anjo
não pode morrer!
Fim
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