Carlos Omar Vilella Gomes
Achei meus olhos sentidos aos pés da mesma janela,
No reflexo borrado por um luzeiro qualquer...
Uma imagem distorcida mostrando estranha aquarela,
Seja pra paz de criança ou pras paixões de mulher.
Eu não entendo da vida, mas me angustia o momento
Que a barba longa do tempo resolveu se apresentar;
São curvas e tempestades por rotas desconhecidas
Que mesmo sendo compridas, sozinha irei desvendar.
O quarto parece imenso e o mundo pequenininho.
Olhando pela janela assisto a noite bailar...
Se vai valseando com o vento... reinventando caminhos,
Contraponteando os fantasmas que insistem em me assombrar.
A noite, moça faceira, valseia um estranho baile,
Onde por ser soberana, manda na banda e no tom;
Ela conta sussurrante que estas são horas certeiras,
Iniciando um novo tempo ás custas de um tempo bom.
O tic tac me apressa, já são quase onze horas...
Vinte e três a quem prefira, não importa a conversão;
O importante é que agora ouço um barulho na porta
E o movimento do tempo aperta meu coração.
A porta aos poucos se mexe...
Podia ser qualquer um, mas eu conheço seus passos!
Reconheço sua sombra se estendendo pelas tábuas...
O seu vulto de menino com cabelos ondulados,
Adentrando passo a passo, se escondendo dos espelhos
E logo o vejo de joelhos do outro lado da cama.
Um sorriso escancarado denuncia a travessura;
-Imagina se o pai sonha que tu andas por aqui?!
Pensando bem não importa, já que só eu que te vejo...
Ficaria do teu lado sem nunca te descobrir!
E mais uma vez sorrimos esses sorrisos rasgados,
E mais uma vez o tempo vem me apressar novamente;
O tic tac medonho vem revelando aos pouquinhos
As curvas e redemoinhos já destinados pra gente.
Corremos, brincamos juntos por tantos anos a fio,
Mas esta noite, Zezinho, é diferente pra nós!
Há uma dor latejante a comprimir o meu peito...
Uma tristeza inquietante, vontade até de gritar:
-Quero meu mundo de volta!
Quero as bonecas, os dias,
As nossas cinco marias saltitando pela tarde;
Quero um remédio que arde curando os lanhos dos tombos
E as sombras dos cinamomos para acolher nossas artes.
Estou crescendo Zezinho e tu jamais crescerás!
Meus vestidos apertados já tem mostrado detalhes...
Alguns traços diferentes que nem sei quando surgiram,
Umas vergonhas estranhas que não consigo evitar
E umas vontades que a outros eu não me animo a contar.
Enquanto tu meu querido... tu serás sempre menino!
Com teu sorriso maroto, a vida inteira nas mãos;
Sempre contando anedotas e zombando do destino,
Correndo solto no campo de alguma imaginação!
Será que terei saudades?
Será que te esquecerei?
Será que as nossas cantigas
Aos poucos se perderão?
Tu ficarás num passado
Que nunca mais mexerei
Nalgum baú empoeirado
No sótão do coração?
O tic tac persiste...
As barbas longas do tempo
São tão sombrias assim!
És meu amigo mais caro,
Meu mais fiel companheiro...
O tempo passa ligeiro
E tudo se achega ao fim.
Meu Deus! Não chora Zezinho!
É tão difícil pra mim!
Te invejo tanto menino, queria ter teu lugar!
Quisera eu poder ser eternamente criança
No feitio das esperanças desses contos que a mãe leu.
Mas por que a realidade precisa ser diferente?
Por que tenho que ser grande se Peter Pan não cresceu?
Essas perguntas me surgem...
Vou indagando pra vida:
A mãe mentia pra gente?
A vó mentia pra ela?
Será que acreditavam nessas folhas amarelas?
Não sei... Talvez nunca saiba.
O tic tac me apressa...
Já é quase meia noite.
Tenho quase doze anos...
É nessa idade, Zezinho,
Que a infância vai acabar.
Os adultos me contaram...
Hoje tudo vai mudar!
Me abraça forte Zezinho!
Diz que não vais me esquecer,
Mesmo que contra a vontade
Eu vá te deixar pra trás.
Me abraça forte amiguinho,
Com todo amor e carinho
Com toda a benção de Deus...
Perdoa alguém que cresceu
E vai seguir seu caminho.
É meia noite, bateu
O cuco meio maluco
Lá da sala dos meus pais...
Adeus, Zezinho, adeus!
Adeus às tardes bonitas
Nos galhos das pitangueiras...
Adeus às cinco marias,
Aos tombos e aos cinamomos.
Adeus às minhas bonecas,
Minhas canções e esperanças...
E aos sonhos doces da infância
Que tu também foste dono!
Adeus, Zezinho, adeus!
A minha infância se foi
E tu também já te vais.
Adeus Zezinho, adeus!
Zezinho, até nunca mais...
...Ou não!