Como acontece há 41 anos na Semana Santa, compositores e admiradores da música gaúcha estão reunidos às margens do Rio Uruguai para o Festival da Barranca, em São Borja. Para quem ainda não conhece o festival, explico: este é um festival diferenciado, por diversos fatores. Primeiro por que é fechado, só para convidados (a entrada de mulheres é proibida), e as músicas são produzidas lá mesmo. O tema é sorteado na sexta-feira Santa e os compositores tem 24 horas para apresentar a música pronta no palco, o que deve ocorrer na noite desse sábado. O tema deste ano, sorteado na noite de ontem é "Próxima Estação"
Comício de Espíritos"
Comício de Espíritos"
Realizado sempre na Semana Santa, às margens do Rio Uruguai, em São Borja, o Festival da Barranca - o mais antigo, realizado ininterruptamente - foi definido como "um comício de espíritos", pelo compositor Sérgio Jacaré Metz, e apresenta um fórmula interessantíssima, pois nele realmente nasceram inúmeras músicas marcantes do cenário nativista. As músicas que participam do festival não são registradas em discos, sendo assim consideradas inéditas, para fins de competição em outros eventos. Dessa forma, muitas competiram em festivais nativistas e, várias foram premiadas. Entre as mais conhecidas estão Origens (de Nico e Bagre Fagundes), Partida (Mauro Ferreira) e Esteio e Sonho (Vinícius Pitácoras Gomes e Luiz Bastos). *No site dos Angueras tem a relação das vencedoras, até 2002 - ´também é possível ouví-las! Confere AQUI. http://www.angueras.com.br/cancoes.html
OS ANGUERAS
O festival da Barranca foi criado pelo grupo Os Angueras - Grupo Amador de Arte, de São Borja. Conforme o histórico disposibilizado em seu site, o grupo foi fundado em 10 de março
de 1962, com atuação permanente nos campos da música, do teatro, da literatura regional e da pesquisa de folclore, o Os Angüeras - Grupo Amador de Arte, surgiu a partir do Departamento Cultural do chamado "Clube dos Dez" - grupo de amigos que se reuniam, periodicamente, com objetivos os mais variados. Os fundadores foram Apparício e Suzy Rillo; Carlos e Maria Moreno; José e Magda Bicca; Sady Santiago e sua noiva Ana Rosa; Darwey e Mariazinha Orengo; Telmo de Lima Freitas e Vicente Goulart.
"O nome foi escolhido a partir da sugestão do poeta e historiador Apparício Silva Rillo. De origem Guarani, "Angüera" significa "espírito que volta" ou "alma que se devolve ao corpo", um pouco estranho a primeira vista, mas, logo, compreensível, pois o "Angüera" antes triste e caladão, virou cantador e tocador de viola, depois que os padres das Missões o batizaram e lhe deram o nome de Generoso e, assim, na mitologia missioneira "Angüera" pode ser considerado o patrono da música e da alegria gaúcha." (Foto dos Angueras, feita no show na Capital, por Tânia Goulart)
RILLO: reproduzo mais uma vez o texto feito em 1985 pelo grande Apparício Silva Riilo (um dos fundadores dos Angueras e do festival), explicando o festival:
"Entendendo a Barranca
Nada acontece por acaso, segundo a teoria dos racionalistas (estes caras que são alimentados a ração balanceada). Talvez tenham lá suas razões, os cujos. Menos no que se refere ao festival da Barranca. Este nasceu por acaso como os nenês de novembro, frutos da semeadura suada do Carnaval.
Pois sucede que o pessoal de Os Angüeras e mais alguns de achego, desde pelo menos 1965, realizavam duas grandes pescarias no ano: uma na Semana Santa, outra em setembro. A primeira para o tradicional jejum de carne (mulheres não nos acompanhavam e até hoje não). A outra na Semana da Pátria, para escapar (desculpa ...) dos chatíssimos desfiles que são a tônica da efeméride cívica.
Para uma e outra pescaria vinham de Porto Alegre o Antonio Augusto Fagundes (Nico) e o Carlinhos Castilhos (Passaronga), com o Juarez Bittencourt (Xuxu) algumas vezes e, quando em quando, com outras caras mais ou menos simpáticas.
E aí aconteceu. Por acaso, repito, contrariando os racionalistas. A gente estava no “Pesqueiro da Bomba”, no Rio Uruguai, na Semana Santa de 1972. Havia tomado umas que outras, alguém falou na Califórnia da Canção acontecida em primeira edição no dezembro anterior, em Uruguaiana, quando uma voz (acho que do Passaronga, outros acham que outro, há quem jure que de um espírito) sugeriu: - E se a gente fizesse o nosso festival? Aqui mesmo, no improviso, na barranca do rio?
... Então, naquela Semana Santa, noite de quinta-feira, ficou assentado em cepo de três pernas que se faria o festival. O Tio Manduca (disso sim, me lembro) propôs que as composições tivessem por base, tema único, nomeou-se o presidente da “Comissão” e lascou o tema: “Acampamento de Pescaria”. E aditou, enquanto me filava o trigésimo oitavo cigarro daquele dia: - Sábado de noite os artistas se apresentam. Vocês têm o dia todo de amanhã para trabalhar o tema. Tá resolvido ...
... Houve três concorrentes neste primeiro Festival da Barranca, que, naquela época e porque estava em seu início, não merecia as maiúsculas que lhe dou. Carlinhos Castilhos, só e mal acompanhado; Nico Fagundes com “Fuça” no violão e, em dupla Zé Bicca e esta voz que vos fala. Apresentadas as composições, por ordem de sorteio, cantou o Carlinhos (palmas, palmas e palmas), cantou o Bicca (idem, idem e idem) e finalmente o Nico (ibidem, ibidem e ibidem). A platéia, meio sobre a empolgação, assentava-se em semicírculo. Todos (eu disse todos) votaram. Menos os concorrentes, claro. Ganhou o Nico, com “Eu e o Rio” – hoje gravada, como tantas composições que nasceram na Barranca para ganhar alguns dos mais importantes festivais nativistas do Estado.
O detalhe, nisso tudo, é que a composição vencedora (linda, a melhor da noite), nada tinha a ver com o tema proposto. Cantava a relação espiritual de um amante descornado com as águas do Rio Uruguai. Mas o fato é que ganhou. O que prova, desde a idade da pedra dos festivais nativistas, que júri deste tipo de evento não é flor de cheirar com pouca venta.
A confraternização foi geral, o vencedor queria por que queria o prêmio (mas que prêmio caracos?). O Milton Souza ganiçava de raiva por que lhe haviam estragado a gravação (para a rádio São Miguel, ouviram?) por intervenção de calão não recomendável, eu achei que estava uma beleza, nada como o autêntico e o espontâneo para valorizar uma reportagem ... Aí o Milton me olhou de esquadro e eu saí pelo arrabalde. Pensando que Deus me desse saúde, engenho e arte, um dia eu ia escrever esse episódio.
O que faço, vinte anos mais velho, mas feliz. Porque o Festival da Barranca, nesse tempo, depois de catorze edições, faz por merecer as maiúsculas que agora lhe confiro."
(Apparício Silva Rillo - 1985)
Fonte: www.jornalnh.com.br/abc-do-gaucho
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