No final de 1898, Herrmann Meyer, então com 26 anos, um intelectual filho deum editor de livros em Leipzig (Alemanha), empreendeu sua 2ª viagem ao Brasil tendo, entre outros objetivos, “mostrar ao povo alemão em palavras e imagens seus concidadãos (brasileiros) em seu próprio lar e no seu trabalho”. Munido de uma máquina fotográfica e um diário – que depois resultou em livro - iniciou a viagem passando por Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. No Rio Grande do Sul ele passou pelas colônias alemãs e italianas. Ao longo do percurso ia clicando vistosas fotografias que os historiadores dos atuais municípios não conhecem.
No planalto do noroeste gaúcho, Meyer deparava-se com dois objetivos: “Um deles era conhecer as terras que seu sócio Carlos Dhein havia adquirido para a formação da Colônia Neu-Württemberg – atual Panambi. E o outro era visitar a região do alto Rio Uruguai onde planejava construir, com capitais alemães, uma ferrovia com mil quilômetros de extensão, ligando Tupanciretã, Missões, Nonoai e Caxias do Sul”, escreve Milton Fensterseifer, um engenheiro que gosta de história e que perscrutou os passos do viajante. O projeto previa a alocação de colonos rente aos 10 km de cada lado da ferrovia. No entanto, a obra não saiu do papel por falta de suporte financeiro.
O ENCONTRO COM AS RUÍNAS
Para fazer o reconhecimento da região abrangida pela ferrovia, Meyer empreendeu uma dificílima viagem que iniciou em Cruz Alta, matos de Neu-Württemberg, Palmeira das Missões, reservas indígenas de Nonoai e Guarita, Campo Novo, Colônia Militar (próximo a Três Passos), Santo Ângelo, Cerro Azul (atual Cerro Largo), São Luiz, São Miguel, São Lourenço, São João Batista, Ijuhy e retornou a Cruz Alta. A equipe montada era de quatro pessoas, além de eventuais auxiliares: Herrmann Meyer, Carlos Dhein (seu braço direito), Karl Walter (seu mordomo) e o negro Afonso (cujo sobrenome nunca se soube e que era cozinheiro).
Meyer relata no livro o estado lastimável em que encontrou as ruínas de São Miguel. Depois de afirmar que ali viviam 10 mil pessoas, constata que então havia “apenas uma dúzia de choupanas”. Descreve assim seu encontro com as ruínas: “Distante aparece num mato fechado uma antiga torre. Até ela avançamos em meio a um macegal. Magnífica foi a vista da mais rica igreja erguida no estilo jesuítico. Teria sido a mais suntuosa de todas as ruínas e até o princípio do século - em torno de 1800 - muito pouco tinha sido danificada na sua construção”. Narra que o vandalismo tomou conta das ruínas e que há dez anos atrás uma das torres foi danificada em função da queda de uma coluna.
O viajante descreve que adentrou ao que restava do templo “pela passagem do portal principal que é coroado com toneladas de pedras cuja colocação, se não foi com máquinas, é um mistério”. Por fim, Meyer denota toda sua malícia e deboche: “Os miseráveis ranchos de palha com seus obtusos moradores, bem perto das veneráveis ruínas, fornecem uma boa ilustração para o lema dos brasileiros: Ordem e Progresso”. Em outras palavras, ele atesta o forte contraste entre o que já foi esplendido e a pobreza de então. Em tom jocoso, lembra o lema da bandeira por não haver naquele local nem ordem nem progresso. O lema havia sido criado em virtude da proclamação da república, em 1889, nove anos antes.
Ciente do glorioso passado, Meyer documentou sua passagem. Armou sua máquina e fez alguém dispará-la. Na foto estão postados ele próprio, Karl Walther, Carlos Dhein, uma pessoa não identificada e o negro Afonso. A imagem fala por si porque choca ao espectador. Documenta de forma soberba o estado de abandono daquela que já foi tida a capital dos Sete Povos. A vegetação encobriu o templo e está presente até nas partes altas das torres. Não é sem razão que Meyer escreve na despedida: “É com melancolia que se admira as esplendidas ruínas”. E aí partem para Ijuhy e Cruz Alta passando pelas demais vilas jesuíticas atestando a destruição e seu estado de abandono.
Conforme Milton Fensterseifer, as duas outras fotos constantes no arquivo de Meyer foram feitas pelos engenheiros alemães que igualmente fizeram a viagem de reconhecimento à região, em janeiro de 1899, passando pelas ruínas. Uma foto mostra a vegetação que está incrustada nos altos do pórtico e das torres e a outra mostra os engenheiros medindo com uma régua a altura do prédio.
Em 1937 Getúlio Vargas criou uma Secretaria de Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional com a finalidade de organizar a proteção de obras, monumentos e sítios arqueológicos. As ruínas começaram a ser conservadas a partir de 1939 pelo zelador João Machado que, a partir de então, passou a reunir as imagens que hoje formam o museu das ruínas.
FONTES: Engº Milton Fensterseifer, Prof. Danilo Lazzarotto, Profª Leonilda Maria Preissler, ZH de 28/jan/2004, livro “Minha Viagem às Colônias Alemães do Rio Grande do Sul (1898-1899)” de Herrmann Meyer e texto “As culturas alemã e brasileira no relato de Meyer” dos Professores Jorge Luiz da Cunha e Angelita Gärtner
Sem comentários:
Enviar um comentário