sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Candelária do Ibicuí e São Tomé

REDUÇÕES DO TAPE 
1. Penetração jesuítica no Tape. 
A dilatada província do Tape, desde as primeiras horas da penetração jesuítica em território aquém-Uruguai, tinha sido uma das maiores preocupações desses abnegados caçadores de almas. Dadivosa e fértil a terra, que se estendia até o mar, era cortada de rios que constituíam um sistema hidrográfico que a tornava apta para a exploração extensiva da agricultura e da pecuária; de condições orográficas que circunscreviam entre altitudes e depressões de climas variados e amenos; de vasta extensão de campos com excelentes pastagens que corriam para o sul desde os contrafortes extremos da Serra, e de matarias virgens alcandorando as serras e bordando as margens dos rios que, ora se despenhavam em quedas fortes dos altos desníveis do planalto, ora, deslizando suavemente, espraiavam-se em várzeas extensas pelas planuras fecundas. 
Além da disposição geofísica que singularizava a terra, o homem que nela habitava seria, trabalhado pela catequese, um óptimo elemento, não obstante a sua incapacidade nativa para o trabalho. Pequeno não seria o esforço para adaptá-lo à civilização cristã; mas o resultado compensador das primeiras tentativas induziu os padres a tentá-lo, com a coragem característica que sempre singularizou a sua acção. 
Em 1626 já o P. Roque González, atraído pela fama do Tape, entrara pelo rio Ibicuí, depois de um percurso de 40 léguas, até aldeia de Tabacã, cacique poderoso daquela região. E ali, como vimos, lançou os lineamentos da redução da Candelária, a primeira, logo destruída por selvagens vizinhos que não queriam aceitar o domínio da Cruz. O sucesso só serviu para dar mais ânimo ao heróico evangelizador, pois, voltado ao Tape, conseguiu o levassem terra a dentro até Itaiasaco onde, mais tarde, o P. Cristóvão de Mendoza fundaria São Miguel, nas proximidades da actual cidade de Santa Maria. 
A tragédia de Caró, em que perdeu a vida, não permitiu realizasse o apóstolo a aspiração de expandir a catequese e fixar marcos de civilização cristão até o Tape longínquo. Coube aos seus sucessores, principalmente um de seus discípulos e companheiro de trabalho, o venerável P. Pedro Romero, quando superior das Missões, a tarefa de levar à afamada província a acção benfazeja dos ínclitos soldados de Cristo. 
Num depoimento do P. Manuel Bertot, um dos desbravadores do Tape, encontra-se a notícia do dia exacto em que, sob a direcção do P. Pedro Romero, os Padres Luís Ernot e Paulo Benavides , por via fluvial e os Padres Cristóvão de Mendoza e Manuel Bertot , por terra, encontram-se na aldeia do cacique Guaimica, ponto inicial da catequese do Tape. Foi servido Nosso Senhor, depõe o P. Bertot, abrir a porta da extensa e povoada província do Tape e seu Santo Evangelho, na Serra que corre até o mar, cerca de cem léguas, à qual me levou o venerável P. Pedro Romero, superior que era das Reduções. Entrámos nela a 13 de Julho do ano de 1632, e achámos, na outra banda da Serra, nos campos que correm até Buenos Aires, cerca de 150 léguas, um povo de 400 índios juntos, ao qual não faltava senão igreja e cruz. 1 
Até fins do ano de 1631 poucos eram os sacerdotes de que dispunha a Companhia com as condições exigidas para os trabalhos de catequese no Uruguai. Além das condições morais e de comprovada abnegação, resistência física e outros atributos indispensáveis ao bom desempenho da missão, mister se fazia que fossem bons línguas e experimentados no ministério dos índios, pessoas doutas e de toda satisfação. 
E isso só foi possível quando, destruída a província do Guairá pelos mamelucos de São Paulo, nove Padres, tendo à frente essa compleição formidável de apóstolo que foi o P. António Ruiz de Montoya, desceram com seu povo num êxodo de 12.000 almas, Paraná abaixo, sofrendo as maiores privações, indo até o Paraguai, onde se localizaram os 4.000 sobreviventes.2 
Além do próprio Montoya outros missionários insignes virão regar com seu suor aquela vinha promissora. Recebe-os o Tape em que se multiplicam as povoações. Há, entre esses homens fadados ao trabalho e ao martírio, figuras gloriosas que ficam circundadas de halos imperecíveis de santidade. Os novos operários são os Padres Simão Masseta, Paulo Benavides, Luís Ernot, Pedro Mola, José Cataldino, José Doménech, Pedro Álvarez e Cristóvão de Mendoza. Veteranos do Guairá, trazem ainda no coração o travor dos dias dolorosos, da destruição, dos incêndios, das mortes e da escravização do povo guairenho, e desa formidável migração para a liberdade que, fugindo ao barbarismo dos bandeirantes foi encontrar a morte em sua maior parte. 
São estes os debravadores do Tape. Penetram pelas serras, navegam pelos rios, transpõem o Jacuí, o Guaíba, o Rio Pardo, o Taquari, o Rio das Antas, e palmilham a terra em todas as direcções e vão levar a cruz redentora a todos os seus quadrantes. Surgem pelas aberturas das florestas, cavalgam pelos campos de coxilhas dobradas, sobem as escarpas do planalto, baixam às profundas depressões das valadas verdes e, por toda a parte, condutores formidáveis de povos selvagens, deixam um traço de bondade, um raio de fé, um cântico de louvor ao Criador Supremo e, muitas vezes, ali ficam, olhos postos no céu, coroados pelo martírio, glorificados pela santidade de uma vida exemplaríssima de virtudes e de uma morte de inigualáveis torturas. 

As reduções do Alto-Ibicuí, fundadas já na província do Tape, são, por ordem cronológica, as seguintes: 
São Tomé – Foi, como se disse, a 13 de Junho de 1632, que o P. Pedro Romero, superior das reduções do Uruguai, com os Padres Manuel Bertot e Luís Ernot, a que vieram se reunir os Padres Cristóvão de Mendoza e Paulo Benavides, ( o único português que trabalhou no Uruguai ), chegaram ao rio Jaguari, afluente do Ibicuí, em cuja margem direita levantaram cruz. Ficava aí o Povo, de 400 almas, a às quais não faltava sinão igreja e cruz, a que se refere o padre Bertot. Erguida esta, que tinha 40 pés de altura, naquele mesmo dia se baptizava São Tomé, a primeira redução da província do Tape. 
Localiza-a Rego Monteiro na lat. de 29º 22’ S. e Long. O. Rio de Janeiro de 11º 34’. 
Informa o P. Bertot no Testimonio citado que no primeiro ano da redução de São Tomé reduziram-se outros 400 índios e nos anos seguintes mais, de sorte que o Povo atingiu a 1.400 e mais famílias e entraram para a escola 900 crianças. Baptizaram-se naquele Povo mais de 3.000 almas. A redução ficou aos cuidados do P. Luís Ernot, que baptizou outras mais, bem como seu companheiro P. Bertot. 
A Ânua do P. Romero, referente a 1633, dá-nos preciosos informes sobre sobre as actividades apostólicas desses dois sacerdotes naquele núcleo inicial do cristianismo no Tape, designação vetusta da própria aldeia (Tape = cidade grande), de onde se irradiaria pela província dilatada, numa expansão notável, a catequese jesuítica. 
Antes do segundo ano da fundação, São Tomé já contava cerca de 1.800 habitantes. Haviam-se realizados 70 casamentos, resultado acima do comum, tendo em vista a dificuldade que sempre se encontrou em convencer os índios a abandonar as suas muitas mulheres e entrar no regime da monogamia. 
Entre os muitos índios que se baptizaram refere-se a Ânua a um capitão velho e cacique principal do povo, ao qual sendo perguntado pelo nome que queria adotar disse que lhe dessem o de Roque, em louvor do P. Roque, que ali estivera por amor deles. 
Um dos primeiros cuidados dos Padres foi organizar uma orquestra e ensinar o canto aos índios, entre os quais um revelou tais aptidões que em pouco tempo era escolhido para maestro. 
Duas provações cruéis estavam destinadas a reduzir de muito a população da incipiente aldeia. A primeira foi a peste que dizimou grande parte do povo, pois morreram, por essa ocasião, 770 crianças e 160 adultos. Seguiu-se-lhe uma praga de tigres (onças). Irrompiam de todos os lados, atacavam a redução e vinham cevar-se nos pobres índios que devoravam às dezenas. (?) Isto sucedeu por duas vezes, ocasionando a fuga de muitos selvagens, que recaíram nas práticas pagãs. 
Em 1638 foi São Tomé, com receio das incursões bandeirantes, mudada para a margem direita do Uruguai, quase em frente à actual cidade de São Borja.

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