CHARLA DE PEÃO
*Juarez Cesar
Fontana Miranda
O
Gaiteiro Canhoto
Buenas
Gauchada!
A lida campeira me
pealou a semana toda, mas como hoje é domingo, vou folgando da labuta rural, sem
abrir mão do ritual galponeiro.
Estou preparando uma
costelinha de borrego cara negra, dois dentes, prá espetar na trempe do fogo de
chão, enquanto, despacito vou cevando um mate amargo amadrinhado por um “xarope
anti-gripal” – canha, mel e garupá – , já que nestes dias de invernia, todo o
cuidado com os polmão, se faz necessário para evitar a tosse comprida.
Enquanto eu
empareiava as brasa prá aquentá o assado, dei um jeito de puxar um dedo de
prosa com o Eleutério, meu peão galponeiro, prá ver se ele parava de se benzer
– como ele diz - no meu “xarope”.
Como motivo prá trela,
lhe falei sobre um desafio que fizera o Léo Ribeiro, por meio de seu blog,
sobre o “erro” que fora cometido na execução do Monumento ao Gaiteiro, que está
instalado no Parque da Fenavinho, na bela cidade serrana de Bento Gonçalves.
Como ia ligar o computador
para penetrar no fascinante mundo cibernético, antes precisava limpar bem as
mãos, já que naquele momento estavam bastante sujas de gordura, em função da
atividade de preparar a carne de ovelha para colocar no espeto.
Saí do galpão e atravessei
o pátio por baixo da copa das laranjeiras, fazendo voar, em estardalhaço, um
casal de sabiás que ali se empanturravam de laranjas maduras.
Entrei pela porta da
cozinha, passei a mão num alvo pano de algodão, que encontrei pendurado num
porta panos, preso na parede sobre o fogão a lenha e já fui levando uma bronca:
- Não me limpa as
mãos no pano de prato. Principalmente neste, que a tua sogra fez na turma do
artesanato da Igreja Santa Terezinha e me deu de presente, disparou a Dona
Sandra, a chinoca que manda na cozinha.
É..., manda na
cozinha, na sala, nos quartos e também no galpão e neste peão – porque não
dizer, não me mesmo?
Foi aí que eu prestei
atenção na tal da relíquia caseira. Era um retângulo de tecido algodoado,
empotreirado por bicos, compostos por delicadas carreiras de uma fina linha de
crochê, na cor amarelo-alaranjado e no terço inferior, decorado pela pintura de
uma cuia, uma bomba e uma chaleira fumegante, sobrepondo a frase: Deus abençoe
este lar.
Agora o tal relicário,
apesar da imponência, jazia embolado e todo sujo de gordura de ovelha, sobre o
espaldar de uma cadeira.
Ainda ouvindo o eco
da lambança, peguei o computador, voltei para o galpão e por motivos óbvios,
optei por fazer um outro caminho. Liguei a máquina, abri o blog do Léo, campiei
a postagem, mostrei a imagem da escultura, essa aí embaixo, para o Eleutério e
para minha grande surpresa, nem lhe bateu a passarinha.
Ele olhou a imagem e,
mais entonado que padre dando sermão em borracho, abriu o palavrório:
- Tchê, tu conhece a estauta
do gaúcho, aquela que copeia o semblante do guasca Paxão Cortes?
- Claro que conheço.
Qual é o gaúcho que não conhece?
- Tu não mintendeu,
burro véio, eu te preguntei se tu sabe da lenga-lenga dela, me interpela,
insolentemente, ele.
- pos óia só, tchê!
Anssim como o Paxão serviu de mostra pru escultor, um gringo chamado Caringi,
quem se presto prá esse papel na estauta do gaitero foi meu parcero, o índio
Ormiro.
- Ô Eleutério! deixa
de ser caduco, homem. Onde se viu uma história dessas? perguntei-lhe, com
incredulidade e até com um certo ceticismo.
- Vô te contá tim-tim
por tim-tim, vô te prová e se tu não quizé acreditá, o prolema é teu. Vô ali no
meu catre, pegá umas chapa véia que eu carrego nas bruaca e já volto. Inquantu
isso tu vai te abancando, tá bueno?
Quando chega, trás
nas mãos, calejadas pela lida e trêmulas pelo transcurso da vida, duas
fotografias, amareladas pelo tempo e com a voz pausada, mas firme, vai me
dizendo: esses retrato são muito raro e valem muitos pila, ninguém más tem, mas
eu não vendo de jeito nimhum, são as prova de que eu e Ormiro, um dia, também
fizemo parte dessa história.
Deu uma fungada
profunda, escarrou pro lado, passou a alpargata desbeiçada no cuspe e continuou:
- De certa feita eu e
o Ormiro, cansados das tropeadas de gado lá pras banda do norte, nos enfiemo de
changueros nas granja de criação de porco em Daltro Filho. Isso mas o meno na
metade dos ano de mil novecento e sessenta, mas muito antes daquela terra trocá
o nome prá Imigrante.
Numa olada de fim de
semana, nós fumo prá uma festa na comunidade, organizada pelos freis do
Convento dos Franciscano e o Ormiro, bom de gaita uma barbaridade, de oferecido
se atraco a tocá. Não é que o índio véio fez um bailaço daqueles - buenacho por
demás, tchê!
Quando a festança
treminô, um dos participantes se aproximo do Ormiro e pregunto se ele não
quiria ganhá uns pila mais. Como nós andava contando os caraminguá, aceitemo
topá a parada.
Eu disse que nós
aceitemo a parada, porque sabia que o meu comparsa não ia me dexá na mão e como
nós já era parcero a tempos, intaum a parada era nossa. E foi isso que o Ormiro
disse pru homi.
O Homi – mas tarde
nóis fiquemo sabeno que era o Frei Nelson Muller – disse que esse sirviço não
pricisava de dois, que um só era mas que suficiente. E aí foi isplicano prá
nóis a tal da faina.
- Meu confrade, que também
trabalha como escultor, recebeu uma encomenda para fazer uma estátua e me
parece que a figura de um de vocês se enquadra, bastante bem, na ideia que ele
pretende desenvolver. Vamos ao Convento São Boaventura, que eu quero apresentar
vocês ao Frei Osvaldo.
Lá fumo nóis. Um
corredorzão, cheio de porta de um lado, um jardinzote bem verde no outro
avarandado, com um monte de parmera, bem altonas, no meio e o Ormiro, inxerido
como ele só, foi si infiando corredor adentro.
Como nós tinha se
pilchado prá balaquiá no surungo, nós tava nus trinque. Cada um de bombacha,
bota, pala nas espalda, o aba larga de tropero, a la Oreliano – como se dizia,
e o cuera do Ormiro, prá se inzibi, ainda me bota um tirador e uma espora, daquelas
cantadera, que naquele corredorzão do convento fazia um tirim-tim-tim – que
Deus me perdoe – dus diabo.
Quase no fim do dito corredor frei Nelson nos
mostra uma sala, convida prá gente entrá e pede prá aguardá que ele vai chamar
o outro frei.
Na volta, acompanhado
do frei Osvardo, apresenta nóis dois e pede que seu colega nos isplique mió o
trabaio que ele tinha proposto prá nóis.
O frei Osvardo diz
prá nóis que pricisa de um gaúcho pelo duro prá servi de modelo prá uma estauta
incomendada pelo Sinhôr Luiz Matheus Todeschini, dono de uma fábrica de gaita,
do município de Bento Gonçalves e que quiria infeitá a frente da fábrica com um
gaúcho tocando uma sanfona, que era o que ele vendia prá toda a peonada que se
metia a ser gaitero.
Como o frei achou que
o Ormiro tinha a estampa boa prá precisão dele e adespos de acertá o preço do
sirviço, incrusive a minha participação, se nóis quisesse, já pudia impeça o
trabaio no otro dia.
Voltemo no outro dia.
O Ormiro, pilchadito no más, de vereda já foi passando a mão numa gaita que
estava no galpão, incima duma pedra, chamada pelo frei de arenito, deu uma
rasqueada nos teclado, infiou os dedo nas botoneras e me solta um vanerão
lascado - Lágrimas de Mãe – do Reduzino Malaquias.
Mas óia só, tchê!
Como nós tava num galpão nus fundo do convento, quando o Ormiro soltô a última
nota, parecia que os anjo tinhum baxado por lá.
O Frei Nelson
saracoteava num canto, inquanto o frei Osvardo, cum us óio marejado e a boca
meia aberta, não dava um pito siquer e eu, que só ficava oiando tudo, larguei
um sapucai, que eu acho que tá retumbano inté hoje.
Foi naquele momento
mágico que o escultor, que se arranchava no peito daquele padre, se revelô prá
nóis, dizeno: Companheiros, em primeiro lugar meu nome é Osvaldo – com a letra
L - frisô ele, e a gaita que tu acabou de tocar, que vai ficar eternamente
retratada neste bloco de arenito, é um acordeon Todeschini, de oitenta baixos,
modelo artist dois, fabricado em mil novecentos e cinquenta.
Despos, oiando bem na
cara do Ormiro, disse prá ele que a estampa dele ia ficá pra toda vida
entreverada naquela baita pedra de três metro de altura e mais de dois mil e
quinhentos quilo e insiguidita, com uma mistura de martelo cum machado, se pego
a marretiá a pedra.
Bueno, a partir daí e
por um monte de dias, que inté nem lembro más quantos, era o Ormiro fazendo
pose, parado e duro como dois de pau e o frei Osvardo – com l , que mais parecia
um pica pau nas tronquera, com aquele monte de ferramenta, meta a marretiá o
tal bloco de arenito.
Mas barbaridade
vivente, como valeu a pena! Quano o frade avisô que a obra tava pronta, era o
Ormiro, cuspido e iscarrado. Só faltava falá, porque da Todeschini véia eu inté
ovia o resfolego dela, abrino, fechanu e derramanu as Lágrima da Mãe.
Terminada a faina nós
voltemo prás nossa changa, daí um par de dias, frei Nelson nos avisô que a
estauta ia ser levada prá Bento e eles pricisavum de peão prá ajudá no
transporte. Não deu outra, fumo nós os contratado.
No dia acertado, lá
tava nóis e incostado no galpão, de prontidão pru embarque do Gaitero, o
Chevrolet Marta Rocha, da Guindastecchio.
Subimo na carroceria,
peguemo uma corda de sisal, mais grossa que cabo de mango, passemo por cima da
gaita e pur baxo do suvaco do “Ormiro”; nas costa fizemo um nó de argola, puxemo
as ponta prá frente e tramemo a corda bem imbaxo da cordeona; insiguidita,
despos de infiá o gancho do guindaste na argola, dei um berro pro guindastero –
prá riba, índio véio.
Gemeu o guindaste, a
carroceria começo a istralá, e o Gaitero, dando uma gambetiada prá frente,
impeço a subi. Aí quem não arresistiu fui eu. Abri bem a munheca, infiei os
cinco dedo na cara – de pedra – do “Ormiro” e me soquei na boleia do Chevrolet,
no rumo de Bento Gonçalves, prá istalá a estauta nas terra duma tal de
Fenavinho. Aí tá a chapa, viste?
- Espera aí,
Eleutério, Tu falaste que a estátua era prá enfeitar a frente da fábrica, mas,
na foto, ela aparece em frente de um pavilhão Fenavinho. Vê se tu desenleia
direito causo.
- Até aí tu tem
razão. O seu Luiz Todeschini foi convidado prá sê o Vice do Sinhô Moysés
Michelon, que era o Presidente da Fenavinho. Como o Luiz era dono da fábrica de
gaita, entonce vivia sem tê ninhum entrevero cum negócio de vinho, foi aí que
ele teve a tenência de só imprestá o Gaitero, prá infeitá o sítio do premero
festival do vinho da serra gaúcha. Intendeu agora?
- Ô Eleutério, entendi
mais ou menos, mas até agora tu me contaste toda a lenga-lenga, e ainda não me
falaste nada sobre o erro que existe no monumento.
- Donde tu tirô que
tem erro na Estauta? Olha esse outro retrato.
- Tá vendo? Não fazia
nem uma hora que nóis tinha descido ela do caminhão. Nela aparece o homi da
incomenda, o tal de seu Luiz, com o casaco no braço, pilchado o frei Nelson e
de braço cruzado o Frei Osvaldo.
- Olha Tchê! tu sabes
que o Léo é um cuera curtido nas lidas campeiras, eu entendo um pouco menos, mas
tu, faz muito tempo, que trabalhas como tropeiro e não enxergas que, nessa
foto, o tirador está no lado direito, enquanto deveria ser feito sobre a perna
esquerda?
- Ah! Entonces o tal
de erro é esse?
- Mas claro que é
esse, tchê! Tu ainda não viu?
- Intaum não tem
ninhum erro, cosa ninhuma. Pos naum é que o Ormiro é canhoto, tchê?!!
*Poeta Nativista
juarezmiranda@bol.com.br
1 comentário:
As escultura do Frei Osvaldo conheço desde pequena. A história por trás de cada uma, nem tanto. Muito orgulho desse Osvaldo com L, mais especificamente, Osvaldo Stefani, meu pai.
Pois é, o Frei abandonou a batina, casou-se, teve filhas (2), foi morar no Mt e aposentou suas ferramentas de escultor. Abs, Bibiana Stefani.
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