Essa é um história de Curitiba, no Paraná, mas poderia ser em qualquer parte desse Rio Grande do Sul ou desse Brasil, pois as histórias se repetem, só mudando os personagens.
" Teve pelo menos três bons cavalos: "Baiano", a égua "Negrinha" e um outro, que de tanto tempo já nem lembra mais como o chamava. Todos sabiam o caminho de cor, era só subir na carroça para seguir, rumo à cidade.
Hoje a cidade cresceu e às vésperas de completar 300 anos não cede o mesmo espaço àquele romantismo dos mais primitivos meios de transporte. A carroça que ao longo de décadas levou Dona Ermínia Peruei do italiano bairro de Santa Felicidade para o centro, está encostada, nos fundos de um galpão. O mundo moderno expulsou das ruas a velha senhora.
Mas ela não desiste. Lúcida e falante no auge de seus 84 anos, D. Ermínia derruba o mito de senhora frágil e franzina que disseram ser. Faz parte da memória urbana de Curitiba. Foi até transformada em lenda. Contavam que era cega. "O cavalo a carrega para a cidade", afirmam alguns. 'É seu guia e seus olhos’, concordam outros. Dona Ermínia enxerga bem. A ponto de ter tido o indispensável 'golpe de vista' para botar a correr, certa vez, um grupo de assaltantes.
O sábado deixava passar a metade do dia quando ela foi cercada, nas imediações da Praça Espanha. Carroça vazia, não sei se podemos dizer que o bolso estava cheio. Mas as verduras e legumes cultivados pela velhinha tinham sido distribuídos pela cidade. Havia quem desse a chave de casa para que Ermínia tirasse a verdura da roça e levasse diretamente à mesa. Chovia. Aquela típica garoa que mantém resfriado todo bom curitibano. Eram cinco e ocupavam um carro verde, conta a velha senhora.
Calejada, experimentada, depois de ter criado três filhos sozinha, viuvado duas vezes e construído a vida na lavoura desde os sete anos de idade, não se conteve. "Atire em mulher velha, mas nada de mim vai tirar". O cavalo trotava. Passo firme para não escorregar no paralelepípedo molhado. Duas quadras mais tarde, Dona Ermínia se via livre da indesejável escolta.
Ganhava, bairro adentro, o caminho daquela Santa Felicidade. O gorro na cabeça ajudava a despistar a garoa. Segura, a senhora aguardava o momento em que aquele ônibus a arremessaria para longe da carroça, dois anos depois.
Hoje D. Ermínia está em casa. O cavalo morreu. Fica a lembrança de ter que trocar as ferraduras a cada quinze dias.
Agora, o que incomoda, é ter que pagar imposto sobre o galpão, a casa, o chiqueiro e até em cima da metragem do pequeno banheiro, aquela 'casinha', retirada das outras peças.
Hoje, entre uma e outra réstia de cebola, que penduradas no teto dividem a responsabilidade pelo forte cheiro do galpão, está Dona Ermínia Peruei. Entre uma e outra palha do milho que debulha, se escuta um resmungo: 'Se melhora a perna, me acho um cavalinho bem mansinho e volto trabalhar", insiste quase que despejando um sorriso. "É que não está brincadeira ir para a cidade. Qualquer pé-de-chinelo tem hoje um carro', percebe. "
(Autor: Luiz Henrique Weber é jornalista / Extraído de: Trezentas Histórias de Curitiba)
(Fotos: Arquivo Gazeta do Povo)
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