Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no Engenho Pau d'Arco, Paraíba, no dia 20 de abril de 1884. Aprendeu com seu pai, bacharel, as primeiras letras. Fez o curso secundário no Liceu Paraibano, já sendo dado como doentio e nervoso por testemunhos da época. De uma família de proprietários de engenhos, assiste, nos primeiros anos do século XX, à decadência da antiga estrutura latifundiária, substituída pelas grandes usinas. Em 1903, matricula-se na Faculdade de Direito do Recife, formando-se em 1907. Ali teve contato com o trabalho "A Poesia Científica", do professor Martins Junior. Formado em direito, não advogou; vivia de ensinar português. Casou-se, em 04 de julho de 1910, com Ester Fialho. Nesse ano, em consequência de desentendimento com o governador, é afastado do cargo de professor do Liceu Paraibano. Muda-se para o Rio de Janeiro e dedica-se ao magistério. Lecionou geografia na Escola Normal, depois Instituto de Educação, e no Ginásio Nacional, depois Colégio Pedro II, sem conseguir ser efetivado como professor. Em 1911, morre prematuramente seu primeiro filho. Em fins de 1913 mudou-se para Leopoldina MG, onde assumiu a direção do grupo escolar e continuou a dar aulas particulares. Seu único livro, "Eu", foi publicado em 1912. Surgido em momento de transição, pouco antes da virada modernista de 1922, é bem representativo do espírito sincrético que prevalecia na época, parnasianismo por alguns aspectos e simbolista por outros. Praticamente ignorado a princípio, quer pelo público, quer pela crítica, esse livro que canta a degenerescência da carne e os limites do humano só alcançou novas edições graças ao empenho de Órris Soares (1884-1964), amigo e biógrafo do autor.
Cético em relação às possibilidades do amor ("Não sou capaz de amar mulher alguma, / Nem há mulher talvez capaz de amar-me"), Augusto dos Anjos fez da obsessão com o próprio "eu" o centro do seu pensamento. Não raro, o amor se converte em ódio, as coisas despertam nojo e tudo é egoísmo e angústia em seu livro patético ("Ai! Um urubu pousou na minha sorte"). A vida e suas facetas, para o poeta que aspira à morte e à anulação de sua pessoa, reduzem-se a combinações de elementos químicos, forças obscuras, fatalidades de leis físicas e biológicas, decomposições de moléculas. Tal materialismo, longe de aplacar sua angústia, sedimentou-lhe o amargo pessimismo ("Tome, doutor, essa tesoura e corte / Minha singularíssima pessoa"). Ao asco de volúpia e à inapetência para o prazer contrapõe-se porém um veemente desejo de conhecer outros mundos, outras plagas, onde a força dos instintos não cerceie os vôos da alma ("Quero, arrancado das prisões carnais, / Viver na luz dos astros imortais").
A métrica rígida, a cadência musical, as aliterações e rimas preciosas dos versos fundiram-se ao esdrúxulo vocabulário extraído da área científica para fazer do "Eu" - desde 1919 constantemente reeditado como "Eu e outras poesias" - um livro que sobrevive, antes de tudo, pelo rigor da forma. Com o tempo, Augusto dos Anjos tornou-se um dos poetas mais lidos do país, sobrevivendo às mutações da cultura e a seus diversos modismos como um fenômeno incomum de aceitação popular. Vitimado pela pneumonia aos trinta anos de idade, morreu em Leopoldina em 12 de novembro de 1914.
1884 - Em 20 de abril, nasce Augusto Carvalho Rodrigues dos Anjos, no Engenho Pau d'Arco, no interior da Paraíba, o terceiro filho de Alexandre Rodrigues dos Anjos e Córdula de Carvalho Rodrigues dos Anjos, mais conhecida como Sinhá-Mocinha. É alfabetizado pelo pai.
1885 - 27 de fevereiro é batizado na Capela do Engenho Pau d’Arco.
1900 - Presta exames preparatórios para o Liceu Paraibano. Aparecimento de seu primeiro soneto “Saudade”, no “Almanaque do Estado da Paraíba”. Começa a viajar com freqüência a João Pessoa, relacionando-se com a intelectualidade local.
1901 - Publica no Jornal “O Comércio” o soneto “Abandonada”, dando início a uma colaboração que será mantida por um bom período com outros poemas e alguma prosa.
1903 - Muda-se para o Recife, onde ingressa na Faculdade de Direito.
1905 - Morre seu pai. Seis dias após, publica no “O Comércio”, os três célebres poemas dedicados a ele. Continua a publicar poemas pela imprensa e em outubro inicia a “Crônica Paudarquense”, em prosa.
1906 - Matricula-se no 4º ano de Direito. Sai em “O Comércio”, “Queixas Noturnas”, “Poemas Negros” e “Versos Íntimos”.
1907 - Conclui o Curso de Direito. Tinha como colegas Gilberto Amado e Orris Soares.
1908 - Transfere-se para a capital da Paraíba, onde dá aulas particulares. É nomeado professor interino de Literatura do Liceu Paraibano. Colabora no Jornal Nonevar.
1909 - Na “A União”, publicou diversos poemas, durante esse ano. Profere, no Teatro Santa Rosa, discurso nas comemorações do 13 de maio, chocando a platéia por seu léxico incompreensível e bizarro.
1910 - Casa-se com Ester Fialho e desliga-se do Liceu Paraibano por intransigência do governador João Machado. Viaja para o Rio de Janeiro, embarca com a mulher no paquete Acre e ali chega no mês de outubro. Ao chegar, hospeda-se em uma pensão, no Largo do Machado. Muda-se em seguida para a Avenida Central. Sua família vende o Engenho Pau d'Arco.
1911 - Em 2 de fevereiro, sua mulher, grávida de 6 meses, perde a criança. Assume o cargo de professor de Geografia na Escola Normal e no Colégio Pedro II. Nasce morto o primeiro filho com sete meses incompletos.
1912 - Escreve no jornal “O Estado”. Termina a impressão do EU, custeado por ele e por seu irmão Odilon, numa primeira tiragem de 1000 exemplares. O livro é recebido com grande impacto e estranheza por parte da critica, que oscila entre o entusiasmo e a repulsa. No dia 12 de junho nasce sua filha Glória.
1913 - Nasce seu filho Guilherme.
1914 - É nomeado diretor do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira, em Leopoldina, Minas Gerais, onde passa a residir. Em 30 de outubro adoece, vindo a falecer a 12 de novembro de pneumonia.
1920 - Aparece, na Paraíba, “Eu e Outras Poesias”, acrescido das poesias coligidas por Orris Soares, que preparou e prefaciou essa edição.
1928 - Ainda por interferência de Orris Soares, a Livraria Castilho, do Rio, lança a 3ª edição. Sem data, posteriormente, a Companhia Editora Nacional, de São Paulo, publicou a 4ª edição.
Para iludir minha desgraça, estudo.
Intimamente sei que não me iludo.
Para onde vou (o mundo inteiro o nota)
Nos meus olhares fúnebres, carrego
A indiferença estúpida de um cego
E o ar indolente de um chinês idiota!
.
A passagem dos séculos me assombra.
Para onde irá correndo minha sombra
Nesse cavalo de eletricidade?!
Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:
— Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem?
E parece-me um sonho a realidade.
.
Em vão com o grito do meu peito impreco!
Dos brados meus ouvindo apenas o eco,
Eu torço os braços numa angústia douda
E muita vez, à meia-noite, rio
Sinistramente, vendo o verme frio
Que há de comer a minha carne toda!
.
É a Morte — esta carnívora assanhada —
Serpente má de língua envenenada
Que tudo que acha no caminho, come…
— Faminta e atra mulher que, a 1 de janeiro,
Sai para assassinar o mundo inteiro,
E o mundo inteiro não lhe mata a fome!
Nesta sombria análise das cousas,
Corro. Arranco os cadáveres das lousas
E as suas partes podres examino. . .
Mas de repente, ouvindo um grande estrondo,
Na podridão daquele embrulho hediondo
Reconheço assombrado o meu Destino!
.
Surpreendo-me, sozinho, numa cova.
Então meu desvario se renova…
Como que, abrindo todos os jazigos,
A Morte, em trajos pretos e amarelos,
Levanta contra mim grandes cutelos
E as baionetas dos dragões antigos!
.
E quando vi que aquilo vinha vindo
Eu fui caindo como um sol caindo
De declínio em declínio; e de declínio
Em declínio, com a gula de uma fera,
Quis ver o que era, e quando vi o que era,
Vi que era pó, vi que era esterquilínio!
.
Chegou a tua vez, oh! Natureza!
Eu desafio agora essa grandeza,
Perante a qual meus olhos se extasiam…
Eu desafio, desta cova escura,
No histerismo danado da tortura
Todos os monstros que os teus peitos criam.
Tu não és minha mãe, velha nefasta!
Com o teu chicote frio de madrasta
Tu me açoitaste vinte e duas vezes…
Por tua causa apodreci nas cruzes,
Em que pregas os filhos que produzes
Durante os desgraçados nove meses!
.
Semeadora terrível de defuntos,
Contra a agressão dos teus contrastes juntos
A besta, que em mim dorme, acorda em berros
Acorda, e após gritar a última injúria,
Chocalha os dentes com medonha fúria
Como se fosse o atrito de dois ferros!
.
Pois bem! Chegou minha hora de vingança.
Tu mataste o meu tempo de criança
E de segunda-feira até domingo,
Amarrado no horror de tua rede,
Deste-me fogo quando eu tinha sede…
Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo!
.
Súbito outra visão negra me espanta!
Estou em Roma. É Sexta-feira Santa.
A treva invade o obscuro orbe terrestre.
No Vaticano, em grupos prosternados,
Com as longas fardas rubras, os soldados
Guardam o corpo do Divino Mestre.
.
Como as estalactites da caverna,
Cai no silêncio da Cidade Eterna
A água da chuva em largos fios grossos…
De Jesus Cristo resta unicamente
Um esqueleto; e a gente, vendo-o, a gente
Sente vontade de abraçar-lhe os ossos!
.
Não há ninguém na estrada da Ripetta.
Dentro da Igreja de São Pedro, quieta,
As luzes funerais arquejam fracas…
O vento entoa cânticos de morte.
Roma estremece! Além, num rumor forte,
Recomeça o barulho das matracas.
A desagregação da minha idéia
Aumenta. Como as chagas da morféa
O medo, o desalento e o desconforto
Paralisam-se os círculos motores.
Na Eternidade, os ventos gemedores
Estão dizendo que Jesus é morto!
Não! Jesus não morreu! Vive na serra
Da Borborema, no ar de minha terra,
Na molécula e no átomo… Resume
A espiritualidade da matéria
E ele é que embala o corpo da miséria
E faz da cloaca uma urna de perfume.
Na agonia de tantos pesadelos
Uma dor bruta puxa-me os cabelos,
Desperto. É tão vazia a minha vida!
No pensamento desconexo e falho
Trago as cartas confusas de um baralho
E um pedaço de cera derretida!
.
Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme.
Eu, somente eu, com a minha dor enorme
Os olhos ensangüento na vigília!
E observo, enquanto o horror me corta a fala,
O aspecto sepulcral da austera sala
E a impassibilidade da mobília.
.
Meu coração, como um cristal, se quebre
O termômetro negue minha febre,
Torne-se gelo o sangue que me abrasa,
E eu me converta na cegonha triste
Que das ruínas duma casa assiste
Ao desmoronamento de outra casa!
.
Ao terminar este sentido poema
Onde vazei a minha dor suprema
Tenho os olhos em lágrimas imersos…
Rola-me na cabeça o cérebro oco.
Por ventura, meu Deus, estarei louco?!
Daqui por diante não farei mais versos.
– Augusto dos Anjos, em “Toda poesia de Augusto dos Anjos”. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2016.
Retirado da Revista Prosa e Verso onde tem toda a obra desse grande Poeta!
Sem comentários:
Enviar um comentário