J. C. Paixão Cortes
O Gaúcho - danças, trajes, artesanato
Se o registro do termo bombacha no Rio Grande do Sul começa a se popularizar posterior a Guerra do Paraguai, o mesmo não acontece com a grafia de cheripa ou chiripá.
Sant'Hilaire (l820/21) fala do hábito de "ponchos grosseiros a guiza de chiripá, entre os negros". Em torno da mesma época, um outro viajante francês, Arsene lsabelle, escreve: "O chiripá é também um tecido de lã encarnada, azul ou verde, nunca de outra cor que posto em torno dos rins, cai abaixo do joelho, como túnica".
Nicolau Dreys que esteve pelo largo período de 1817 a 1838 viajando pela Província de São Pedro, atendo-se ao vestuário do gaúcho, diz: "não tendo vestido senão o estrítro necessário, isto é, o chiripá, pedaço de baeta amarrado em redor (o grifo é nosso) do corpo, da cintura para baixo; por cima do chiripá o cingidor (sic) espécie de avental de couro cru".
Caldre e Fião em seu romance Corsário, escrito por volta de 1851, ao descrever moços vestidos à gaúcha, descreve "chiripás com franjas". Anteriormente, o bravo José Garibaldi, lembra os riograndenses vestindo chiripá, ao se reportar a feitos guerreiros em suas Memórias, editada muito depois de 1835. Do folk poético recolhido por Carlos Von Kozeritz e publicado em 1880, encontramos estas interessantes estrofes:
Olha, ilustre Mingote
Sei que vais para a fronteira;
Cuidado com a brincadeira
Com gente de certo lote;
Ali há muita aruá
Que café nunca trocou
O antigo xeripá;
Se vires algum clinudo
Barbacena, cor tostada
Que troteia pela estrada
Com feições de botocudo
E franjas no xeripá
Deixa andar o cabeçudo
Cezimbra Jacques, também dos fins do século passado, nos fala dos gaúchos primitivos usando chiripá.
(clique para visualizar imagem maior - Edison Acri)
No entanto, até 1962, não havia se caracterizado popularmente e nem mesmo se definido, socialmente ou por descrições, os dois tipos de chiripás usados no Rio Grande do Sul, hoje conhecido não só por tradicionalistas como examinado por estudiosos sobre vestuário. É bom, no entanto, que se diga que o dicionarista Coruja em 1852 já falava em "baeta vermelha que peões usam trazer ao redor da cintura". Não podemos olvidar, o comentário feito ao final do romance O Campeiro Rio-Grandense, de João Mendes da Silva (l884), quando diz: "Chiripá - pano que os gaúchos rio-grandenses, à imitação dos orientais, passam por entre as pernas e sobre as ceroulas, indo prender na cintura. É só usado pela gente baixa, peões da estância".
Este talvez seja o primeiro momento que se conhece de descrição, em que uma peça passada ao redor da cintura era também usada por entre as pernas e ambas, porém, atadas à cintura.
Mas foi no ano de 1962 que os Centros de Tradições tomaram conhecimento da reconstituição do mais primitivo abrigo (da cintura para baixo) usado por aquele que se chamou de gaúcho. Mesmo em contribuições ou trabalhos enviados a Congressos Tradicionalistas, nada se registrara de parte dos estudiosos, ficando muitos em apenas citações bibliográficas. Refiro-me ao chiripá primitivo semelhante a um saiote, portanto curto. Feito de fazenda, era usado por cima da calça ou da ceroula comprida. Não ultrapassava a altura do joelho, onde podia terminar ou não com pequenas franjas do próprio tecido. É passado ao redor da cintura, sendo que se trespassa lateralmente no lado correspondente à parte externa da perna esquerda, trespasse este que se faz da direita para a esquerda. Não é aberto na frente como muitos pensam. Alguns chiripás primitivos apresentam, na parte inferior, adornos discretos ao longo de todo contorno da peça. O tecido empregado ia do mais simples de algodão ao melhor, dependendo das posses de cada usuário, do momento e da atividade desenvolvida, de quem o usava. No entanto sua cor era lisa e não berrante. Fixava-se à cintura por uma faixa (tipo brasileira) ou pela guaiaca. Foi usado até fins do século passado e início deste (já raramente), segundo pesquisas gravadas com informantes que testemunharam seu uso na região dos Campos de Cima da Serra, Planalto Médio e Alto Uruguai.
Debret (l823/25) em sua prancha, "índios charruas civilizados", nos dá por primeira vez, iconograficamente, amostragem de dois homens vestidos de uma maneira geral, o que Dreys havia descrito.
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Vasco Machado, 1988.
Col. Véra Stedile Zattera
direitos autorais reservados.
Nós já havíamos reconstituído o conjunto de peças desenhadas por Debret (inclusive este chiripá) em 1953 por ocasião de um espetáculo denominado Festa no Galpão levado a efeito no Teatro São Pedro.
No entanto, diante do grito dos entendidos da época, acabamos deixando de lado tal reconstituição, só voltando a usá-la em 1962, depois de dois anos de pesquisas comprovadas, através de informantes vivos, cujas entrevistas mantemos gravadas.
Nossa apresentação em público vestindo tal chiripá definitivamente deu-se no programa trazido especialmente por Bibi Ferreira em Porto Alegre em 1962, e televisionado em tape para outras regiões brasileiras. O espetáculo chamava-se Brasil 62 e foi levado a efeito no Salão Nobre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Nessa ocasião, apresentamos danças gauchescas com o Conjunto Folclórico Tropeiros da Tradição, vestindo o chiripá primitivo. O nosso aparecimento, bem como do referido conjunto folclórico, com tal chiripá, causou uma série de críticas ... dado o desconhecimento visual da peça na época.
Em 1963, a Revista do Ensino, publicação da Secretaria de Educação e Cultura do Estado, publicava pioneiramente nossas pesquisas acompanhadas de reprodução fotográfica e de uma série de informações, quando o enfoque jornalista se atém a dança Faca Maruja que havíamos recém descoberto como tema coreográfico. Este chiripá que através de nossas pesquisas trouxemos à tona a reconstituição e uso, hoje popularizado pelos integrantes dos Centros de Tradições, coincide com o Txiripá que o antropólogo brasileiro Egon Schaden se refere em sua importante obra Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani, editado em São Paulo, em 1962.
Esta peça podemos considerar como um elementar gedanke, folcloricamente advinda da saia remota e universalmente vestida pelos povos de outrora e que ainda na época contemporânea, alguns, usavam-nas como distinção. Como exemplos, podemos citar os escoceses e os soldados reais gregos.
O xiripá (Txiripá) indígena ou primitivo, nada tem que ver com aquela outra peça de igual nome de formato retangular, comprimento médio de um metro e meio, passada entre as pernas, por sobre as ceroulas compridas (franjadas ou não) e que se fixa a cintura pela guaiaca ou a faixa. Seu aparecimento é bastante anterior.
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Foi conhecido também na região cisplatina da Colônia do Sacramento onde davam-lhe o nome de a Ia oriental ou mortero. Documentos históricos e passagens diversas na língua espanhola, nos dão ciência dessa peça entre a gente humilde do meio rural, e fazendo parte do vestuário de certas formações militares dos proclames do século XIX. Dentre a amostragem iconográfica dos Fortes São Miguel e Santa Tereza (fronteira com o município de Santa Vitória do Palmar) podem ser vistas figuras vestindo xiripá a la oriental. Inúmeras obras argentinas registram descrições dessa peça também.
O outro chiripá (que lhe deram o afado de farroupilha) acreditamos ser de nítida influência da região da fronteira castelhana.
Ao encontro dessa nossa opinião é a anotação de João Mendes da Silva, em 1884, já citada anteriormente por nós. Romagueira Corrêa (l892) ao dicionarizar chiripá, o descreve como "vestimenta usada pelos peões de estância ou camponeses, que consta de uma peça quadrilonga de fazenda (metro e meio) a qual, passando por entre as pernas e apertada à cintura em suas extremidades por uma cinta de couro ou por uns tirados. Para fazer o chiripá pode-se empregar e usa-se geralmente, um poncho de pala".
Os informantes que gravamos, e aqueles que vestiram o chiripá fronteiriço, nos afirmam que, embora passasse por entre as pernas, seu comprimento não era curto como os que se tem visto, mostrado por certos gaúchos de C.T.G. Sua característica é em traços gerais de uma fralda grande, tendo seu trespasse lateral da frente para traz. Fixa-se na cintura pela guaiaca e no Uruguai e Argentina com a sua clássica faixa. Peça há muito em desuso. Eram confeccionadas com um tecido de boa caída e geralmente de uma só tonalidade. Listras, com barras na borda do comprimento maior, eram de tecido, segundo alguns, de apala, como chamam na Argentina.
Sua descrição é rara, nada se encontrando com detalhe característico e seu uso na Revolução Farroupilha.
O próprio Romagueira Correa ao definir este chiripá, o cita como "vocabuelo da América Espanhola do Sul, sendo mais usado na Argentina". Critica, outrossim, a informação deixada pelo Visconde de B. Rohan, em 1898, de que o chiripá era usado por sobre as calças, ao que Romagueira Correa afirma ser justamente para substituir as calças.
É que Romagueira Correa criado na fronteira conheceu, possivelmente, só o chiripá por entre as pernas. Este jamais foi usado nos Campos de Cima da Serra, Planalto Médio e Alto Uruguai, segundo as pesquisas com entrevistados vivos que realizamos.
Nesta região, o característico vestuário do homem popular rural, foi o xiripá indígena. Aliás, o Centro de Tradições Gaúchas Porteira de Rio Grande, de Vacaria, foi, afora o Conjunto Folclórico Tropeiros da Tradição, o primeiro a reconstituir roupas de outrora, - chiripá curto (indígena) vestia, chapéu, de copa alta, colete com gola, barbicacho com pompona, etc., vestuários que pesquisamos nesta mesma área.
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Vasco Machado, 1988.
Col. Véra Stedile Zattera
direitos autorais reservados.
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Vasco Machado, 1988.
Col. Véra Stedile Zattera
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Fonte: blog Página do Gaúcho
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