Foto Claudio Fachel/Palácio Piratini
Desde julho deste ano, o Conselho Estadual de Cultura (CEC) do Rio Grande do Sul possui nova mesa diretiva, formada exclusivamente por mulheres. Loma Berenice Gomes Pereira foi eleita a nova presidente; para assumir o cargo de vice-presidente, Nicéa Irigaray Brasil; e para o cargo de secretária-geral, Adriana Donato dos Reis. A renovação no Conselho tem sido aplaudida por artistas e produtores culturais.
Para Loma, o processo de construção dos planos nacional, municipais e estaduais transforma este no melhor momento para a cultura do país. “A nossa principal proposta é intensificar a relação do CEC com a sociedade civil e diferentes órgãos públicos para que o intercâmbio de conhecimentos ajude no debate e na produção de políticas públicas de cultura”, disse.
A importância do Conselho para a cultura do estado é justamente o foco de Loma, cuja trajetória confunde vida artística e militância em diversas instâncias. Loma começou a cantar profissionalmente em 1973, em estúdios de gravação de jingles em Porto Alegre e como vocalista do Grupo Pentagrama, um dos principais responsáveis pelo movimento renovador que eclodiu àquela época na música produzida no Rio Grande do Sul e que projetou nacionalmente alguns compositores e intérpretes de Porto Alegre.
No início da década de 80, partiu para o Rio de Janeiro em busca de novas experiências, e para aprimorar seus estudos na Escola de Música do Sindicato dos Músicos do Rio de Janeiro. Apresentou-se ao lado de ninguém menos que Amelinha , Sérgio Dias (dos Mutantes) João de Aquino, Nadinho da Ilha, Elza Soares, Baby Consuelo, Jorge Mautner, Robertinho do Recife e o Bixo da Seda pelos palcos do Rio, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Norte, Ceará, Sergipe, Paraíba e Pernambuco.
Em 1985, Loma voltou ao Rio Grande do Sul. Lançou seu primeiro LP “Loma”, com arranjos assinados por Geraldo Flach. Desde 2002, Loma é a cantora no Cantadores do Litoral, grupo responsável por divulgar o legado afro-açoriano do RS, formado por músicos, intérpretes, compositores, pesquisadores e poetas do litoral norte do RS. O grupo é liderado pelo folclorista, maestro, compositor e professor de música Paulo de Campos. O trabalho é sequência do movimento que há 40 anos divulga a cultura litorânea, iniciado por Ivo Ladislau e Carlos Catuípe.
A página da Cultura conversou com Loma sobre esta trajetória e os planos para o Conselho Estadual de Cultura. Acompanhe a entrevista, que aconteceu na Casa de Cultura Mario Quintana.
O grupo Cantadores do Litoral divulga no Brasil, e mesmo no Rio Grande do Sul, o legado afro-açoriano desta região. Qual a importância deste trabalho para o estado?
A importância reside justamente no resgate, já que o Rio Grande do Sul detém uma diversidade étnica muito rica. O grupo surgiu num momento em que os jovens não queriam mais saber da cultura local do maçambique, do quicumbi… Somente os velhos estavam cultuando esses ritmos e tradições dos negros, essa heranças, bem como a herança dos açorianos. Ivo Ladislau e Carlos Catuípe começaram a fazer este resgate há 40 anos, através da música e da poesia. O trabalho se expandiu e a comunidade e os artistas locais sentiram necessidade de seguir este trabalho. O Paulo de Campos, que tinha uma escola de música aqui em Porto Alegre, decidiu criar outra em Osório. Essa escola hoje soma 23 anos.
A rima se tornou tão forte que abarcou os músicos de todo litoral norte do estado. A partir daí, o Paulo sentiu necessidade de cantar o material que já havia sido reunido. Assim foi criado o Cantadores do Litoral e, desde então, eu sou integrante. Nós passamos a divulgar este trabalho nos municípios originários da africanidade e da açoraniedade e, depois, para vários outros. Nós temos lutado com unhas e dentes para mantê-lo vivo, já que alguns não concordam com outras manifestações do sul que não as tradicionais. Hoje há muitos organismo de cultura a defender a diversidade, um espaço que vem se consolidando e que é muito importante.
Você acumula uma carreira artística vasta, mas sempre esteve envolvida também com esta parte que sempre é julgada como burocrática, sempre trabalhou por sindicatos de classe, pela construção de políticas públicas, já participou de conselhos de cultura… Como se dá esta relação?
Sempre fui envolvida, trabalhei para a construção da cooperativa dos músicos de Porto Alegre, depois fui pro Rio de Janeiro e lá eu militei junto com o Mauricio Tapajós, de estúdio em estúdio, pela Associação de Músicos Arranjadores do Rio de Janeiro. Já fui conselheira do sindicato dos músicos de Porto Alegre, eu já tenho uma história de trabalho de bastidor. No meu tempo de artista, nós não tínhamos produtores, as gravadoras detinham 100% do mercado fonográfico do Rio Grande do Sul. Na época, formamos uma equipe, o Gelson Oliveira, o Nelson Coelho de Castro, o Nei Lisboa… e nós vendemos bônus de bar em bar para vender nossos primeiros LPs independentes. A partir daí, trouxemos uma gama de artistas e conquistamos 30% de fatia de mercado dos 100% das gravadoras. Isso faz mais de trinta anos. A experiência do artista também ajuda a analisar os projetos dos colegas. Temos experiência de produção, a gente sabe como funciona, quanto custam as coisas. Temos um conselho bem dividido, com acadêmicos e artistas, o que promove um equilíbrio muito bom.
O Conselho de Estadual de Cultura passa por um período de renovação, como você e os conselheiros estão trabalhando para planejar o próximo ano?
Estava faltando um pouco da suavidade feminina, com firmeza. A mulher é muito criativa e também muito prática. Os meninos tem todos os seus valores, que agregam de forma muito importante pro movimento dessa máquina cultural. Mas estava faltando no Conselho esse dado prático, de resolver assuntos que os meninos deixam escapar. E nós conseguimos reunir nessa atual câmara diretiva o burocrático e a praticidade, e temos projetos importantes como o da nova sede para o CEC. Acreditamos que está se abrindo a perspectiva de um local apropriado para o nível do Conselho Estadual de Cultura, daquilo que ele representa, o que deve estar representado na casa onde se mora.
Mas o mais importante de tudo é que, para construir esta nova diretoria composta por mulheres, nós discutimos muito, consultamos muitos conselheiros, não construímos nada sozinhas, todas as idéias foram acatadas e elas formaram o que chamamos de protagonismo da solidariedade e da transparência, que são as nossas metas e a nossa plataforma de gestão.
O que é fundamental nesta plataforma?
Um item é a aproximação dos conselhos municipais com o CEC, porque nós precisamos saber da realidade dos municípios e transparecer isso para Porto Alegre, para dentro do Conselho. Existe uma distância nesta relação, mas nós somos o estado e temos que trabalhar para o estado. As discussões sobre o Plano Nacional de Cultura geram essa aproximação, para que se fale o mesmo idioma, para harmonizar a freqüência de encontros, o que também nos aproxima dos municípios. Nós temos conselheiros que pretendem trabalhar especificamente este ponto. Queremos realizar uma aproximação com o Codic (Conselho dos Dirigentes Municipais de Cultura do Rio Grande do Sul) e realizar um colóquio, trazer os municípios para que eles coloquem suas necessidades, para entendermos como se desenvolve a política pública de cultura em cada município.
O Conecta – Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais – também pretende reativar seu trabalho. A idéia é justamente reativarmos este fórum e colocarmos em discussão novamente as nossas necessidades, as nossas metas, em reuniões que acontecerão trimestralmente. Isso também nos ajudará a falarmos o mesmo idioma nacionalmente. A cultura atravessa um período muito saudável justamente por causa das aproximações. Porque não adianta termos idéias e cada estado trabalhar por si. Porque fica muito difícil. Se conseguirmos unificar e trocar, podemos equalizar. Se conquistarmos isso nacionalmente, quiçá possamos ser os melhores do mundo em cultura e política cultura. A nossa proposta é trabalhar em conjunto com os planos municipais, estaduais e o nacional.
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