terça-feira, 23 de maio de 2023

JORGE CAFRUNE RESPONDEU A DON ATAHUALPA YUPANQUI

  CARTA COM QUE JORGE CAFRUNE, RESPONDEU A DON ATAHUALPA YUPANQUI ALGUNS COMENTÁRIOS AGRESSIVOS QUE DEIXOU PARA ELE, EM VÁRIOS REPORTAGENS EM ESPANHA NA DÉCADA DOS ANOS 70.

A MESMA, FOI PUBLICADA NA REVISTA "GENTE" DA ARGENTINA E NA EUROPA SIMULTÂNEAMENTE.
SE BEM FOR UM POUCO LONGO O TEXTO, SEI QUE VOCÊS VÃO GOSTAR...

O QUE YUPANQUI DISSE NA ESPANHA DE CAFRUNE, LARRALDE E OUTROS.
Estas são algumas das declarações (as mais controversas) que Don Atahualpa Yupanqui fez em Espanha a vários meios de comunicação. Em diferentes reportagens, Yupanqui desgrudou suas críticas a Cafrune e outros intérpretes do nosso folclore.
JORNALISTA: - E o que acontece com Cafrune, Larralde, Cabral e outros?
YUPANQUI: - Estes senhores que me nomeia e muitos outros, do ponto de vista tradicional, são totalmente inéditos. Eles andam, mas ainda não nasceram como porta prateleiras de uma tradição. Eles compõem o que no meu país deu em chamar-se "fauna radiotelefónica". Estou prestes a garantir que nenhum deles leu mais de 50 livros. E sem pensar, sem meditar, sem aprender não se pode cantar folclore. No entanto, é uma maneira de ganhar o seu pão que eu respeito. (“O Correio Galego” 29 de novembro de 1973)
JORNALISTA: - Jorge Cafrune é um “guitarreiro” e Larralde um “cantaor”, Como se definiria Atahualpa Yupanqui?
YUPANQUI: - De nenhuma das duas maneiras porque nenhuma delas significa nada para a cultura do meu país, que é o mais importante. Mais importante que nomes e homens.
JORNALISTA: - Então você não os considera seus discípulos?
YUPANQUI: - Não é dureza, é justiça, porque antes de se preparar bem para exercer uma profissão eles se lançaram para ganhar a vida. Eles não estão preparados para transmitir a cultura popular. (“A Gazeta Regional” – 30 de novembro de 1973)
YUPANQUI: - Estou envergonhado de ouvir minhas músicas interpretadas por cantores flertes. É preciso sentir quando se canta e não fazer por moda. Alberto Cortez interpretava minhas músicas por conveniência e até quando quis. Jorge Cafrune também faz por conveniência.
JORNALISTA: - Uma das suas músicas “Coplas del Payador Perseguido”, foi divulgada com sucesso, na Espanha por Cafrune.
YUPANQUI: - Não são caudas, são sextinas, vê, conterrâneo, a ignorância de certos cantores? Sinto muita vergonha quando a coisa mercantil é incorporada no canto popular. Eles usam o sentimento do povo. (“Faro de Vigo”, 28 de novembro de 1973)
CARTA DE JORGE CAFRUNE
Desde criança, lá nos meus pagamentos do norte de Jujuy, sabíamos ouvir com meus pais músicas de um homem que, sem dúvida, sintetiza poética e musicalmente parte da América do Sul.
Você está crescendo, e ao mesmo tempo a admiração por você, Atahualpa, andador de estrada e sabedor de pessoas.
Chego em alguma oportunidade a dialogar consigo, embora não de forma normal, como as pessoas fazem, mas respondendo-lhe com a mesma anormalidade com que fui interpelado em uma reunião lá pelo ’61.
Sempre de malas, com as pessoas, com a vida, enfim, com tudo ao seu redor. Dotado naturalmente de uma memória privilegiada, todos os seus desplantes costumam ser comentados, embora na maioria das vezes sejam desrespeitosos. Mas como é Atahualpa Yupanqui fica bem. Você sabe que tudo é promoção, até seu misticismo estudado; tudo vale para que as pessoas falem de você, não importa se errado ou certo.
Esta ação é feita por muitos anos, até que as pessoas, apesar de o respeitarem, um bom dia se cansa e lhe nega o apoio que, como figura, deveria ter.
Depois vem o exílio. Diz adeus dizendo que vai embora porque aqui não tem emprego. Continua a abrir pegadas no Velho Mundo, os jovens espanhóis esperam-no como algo proibitivo.
E chega o Atahualpa místico e sabedor, e depois de algumas apresentações (em algumas exige smoking para ouvi-lo), onde não canta o que os jovens esperavam alegando que algumas das suas composições eram “loucuras de juventude”, refugia-se na França, onde encontra calce as suas frustradas ansias de gentleman de Grande mundo.
Sempre tem palavras elogiosas para a juventude francesa, muito pelo contrário quando se refere aos jovens da América do Sul, especialmente à Argentina e pior se forem poetas ou guitarreiros.
Processo raro do homem que, parecia que o tempo o incomodaria com a presença de sangue novo.
Seus olhos achinados estão sempre prestos à malícia, como cuidando de algo; sua língua fere com subtileza de amargo ou com a dureza que, guardada em seu nome, pode fazer.
Não satisfeito com tudo o que o seu verbo partilha pela largura e longa do país e em todas as oportunidades que lhe é propício, segue a sua linha construtiva de concepções negativas para os seus coterrâneos na Europa.
Recebo de terras longínquas e órgãos jornalísticos as menções (pouco acordes para o tamanho de poeta, mas se niveladas com a pessoa) que fez na Europa.
Tenho a certeza que o que mais o incomoda é a presença de Larralde e a minha por esses lares. E quero esclarecer que, quase sempre, nos recitais, eu canto coisas dele. Mas parece que por mais que ele se apegue, sempre a língua o trai.
Anos antes, quando ele levou os Quilla Huasi, apresentando-os ao público espanhol, fê-lo com palavras tão negativas e deslocadas no Teatro Maria Guerrero, que teria valido mais se nunca os tivesse levado.
Acompanho as fotocópias do que declara. Claro que é preciso respeitar os idosos (mas desde que estes respeitem).
É muito doloroso encontrar alguém tão importante e que pudesse ser tão valedeiro para nossos jovens. Mas vence sempre sobre ele essa constante fobia pelo jovem, especialmente se for argentino.
Tenho a convicção de que isto que faço sintetiza o desejo de muitas pessoas que já foram desmerecidas por este bom poeta. E você cansa-se de pensar: “Tanto e tão bem que escreveu sobre o homem e tanto ódio que há nele”.
Fora do que se refere ao fazer artístico, senti comentários sobre a sua maneira de tratar as pessoas; dizia um conhecido seu que estava de verão na Costa del Sol, em não que palacete, que nunca tinha visto um empregado tratar tão mal como este senhor Atahualpa, que tantos direitos cobra para falar do homem.
É de conhecimento público que aqui, em uma reportagem, declarou que Don Eduardo Falú nada tinha contribuído para fazer de nosso cancioneiro. Que cara!!... Claro que no número seguinte negou dizendo que “.... Quem me dera que houvesse muitas guitarras como a de Falu.” A promoção estava feita.
Eu acho que você teria que ter menos veleidade e pensar que embora não existam pessoas que possam igualá-lo, tanto no fazer de poeta como no musical (coisa da qual você tem plena convicção), há pessoas que estudam, que lêem e que também sabem.
Como não temos má impressão suficiente com todos os problemas que nos tica viver como nação, você arrima-o como coisa positiva falar mal dos seus conterrâneos. Você acha que as pessoas engolem tudo o que você diz, mas tenha certeza que as pessoas sabem bem que seus 25 anos de estudo mentados que você mencionou os fez como eu, andando, mas com a diferença de que eu não prejudiquei ninguém; em vez disso você Deixou o rasto, estão os jujenhos de testemunhas. Sua tremenda afeição e saudade pelo pagamento são agudizados nos meses de julho e dezembro, quando liquida a SADAIC. Que é a paisagem que você mais sente falta.
Eu peço-lhe que a meu respeito, se você tanto se incomoda que eu cante suas coisas e tenha tido desde o meu primeiro LP (que já são 27) uma presença contínua e respeitosa do seu cantor, me passe os direitos autorais que você cobrou pelas minhas gravações, que eu acho que também o incomodarão.
Já estivemos conversando em seu Colorado Colorado, mas parece que não foi o suficiente. De qualquer forma, eu não queria tomar essa determinação de sair do ritmo, mas... Sabe uma coisa? Me incomoda muito que você faça como seu costume de trás e em terras distantes.
Deixe-me esclarecer que esta tentarei que sejam publicadas aqui e ali e quero que saiba que o tratamento respeitoso que sempre tive para consigo terminou.
E eu continuo pensando que neste seu importante tempo de velhice, em vez de andar espalhando negações que não estão à sua altura artística, mas se pessoal, você se dedicasse a lidar com elementos positivos à Argentina. Que não seremos como os franceses, mas temos o nosso valor.
Saiba que, longe de me machucar, você me dá mais importância.
Convido-o, venha e ande o seu país, que você ainda é importante: mas tire essa ressaca tão característica das pessoas que procuram descarregar... De quê? De quem?
Vá lá, amigo, nem aqui, nem ali, ninguém vai tirar seu lugar nem sua importância. E lembre-se que é poeta: Ninguém tenha inveja...

JORGE CAFRUNE

Fonte: Folklore nomás

Sem comentários:

Enviar um comentário