quinta-feira, 19 de abril de 2018

Nossa Senhora da Candelária do Ibicuí

Por Lisandro Lorenzoni¹ 

Antes de adentrar ao tema específico deste artigo, se faz necessário situar de maneira superficial, o processo colonizador da Espanha e os principais povos indígenas que habitavam a Província Jesuítica do Paraguai², criada em 1609. O território abrangia o Paraguai, Argentina, Uruguai e os estados brasileiros do Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Importante frisar que a exploração das terras na América espanhola ocorreram por etapas e os povos indígenas sofreram ação direta dos conquistados, com trabalho escravo aos encomenderos³, bandeirantes paulistas ou pela fundação das Reduções Jesuíticos-Guarani. 

Os Guarani dominavam uma vasta área territorial, que se estendia do Paraguai até o Rio da Prata. Não habitaram o planalto gaúcho, onde se encontravam os grupos Jê e, nem as planícies/pampa, território dos charruas e minuanos. Segundo dados arqueológicos, a tradição Tupi-Guarani estava presente nas matas subtropicais, que se estendiam ao longo do Rio Uruguai e seus afluentes, além do Rio Jacuí, litoral e suas lagoas. Muitos dos povos indígenas foram guaranizados, ou seja, eram de outros troncos e viviam em pequenas aldeias, mas por poder, alianças ou influência dos Guarani, adotaram seus hábitos e costumes. 


Em um primeiro momento a fundação de Reduções Jesuíticas, criadas através da palavra de Deus, agiram como salvação espiritual e física aos índios, mas seu principal objetivo era demarcar e proteger o território espanhol da potencial expansão dos lusos ao Rio da Prata. Na primeira fase ou ciclo missioneiro em solo gaúcho (1626-1637), foram fundadas 14 reduções e os povoados eram simples, instaurados com o intuito de convertê-los à fé católica, com igrejas construídas de madeira ou de taipa, enquanto as casas dos índios eram de pau-a-pique. Foi na Serra Geral ou região dos Tape (grupo indígena que dominava o Planalto Central, entre as bacias dos Rios Ibicuí e Jacuí), que adentrou o Padre Roque González de Santa Cruz. Aporta pela primeira vez pelos últimos contrafortes a Oeste desta Serra, entre os Rios Ibicuí e Itu, na chamada Coxilha do Boqueirão (Santiago). Na segunda vez, com a ajuda dos índios Tape, comandados por Nenguiru, Roque González partiu da margem esquerda do Rio Uruguai para lançar a semente das futuras Reduções Jesuíticas-Guarani. No dia 3 de maio de 1626 funda São Nicolau do Piratini, entre os Rios Ijuí e Piratini, a primeira redução em solo rio-grandense. 

Em 1627, um ano depois do seu primeiro intento, o Padre Roque González chega na confluência entre o Ibicuí com o Uruguai e não encontra nenhum aldeamento de índios em ambas às margens. Decide então subir de canoa cerca de 40 léguas (200 Km) pelo Rio Ibicuí, nas proximidades com a embocadura do seu principal afluente, o Rio Jaguari, onde na margem direita, encontra a aldeia do cacique Tabacã. Sendo bem acolhido pelos indígenas, ali funda a segunda Redução Jesuítica em terras gaúchas, erguendo-se com ajuda dos índios uma cruz de cerca de 40 pés e uma pequena capela feita de pau-a-pique e coberta de palha. Em homenagem a Maria Santíssima, o Padre Roque batiza a redução de Nossa Senhora da Candelária do Ibicuí. A Redução teve duração efêmera, pois quando voltou, Padre Roque foi informado que índios lindeiros ao Ibicuí, destruíram a capela, colocando fogo na cruz. 

Em carta ânua, Padre Roque faz referência ao ocorrido na Candelária do Ibicuí. “Assim que cheguei ao porto, onde havia começado a redução, mandei chamar os caciques vizinhos que logo vieram, entre eles, Tabacã, em cuja aldeia se cometera o sacrilégio e interroguei-o sobre o caso. Responderam-me que era verdade. Censurei-os com severidade, mas ele se desculparam, alegando que aquilo havia acontecido estando eles ausentes e longe dali. Pelo que, sendo grande a multidão de índios malfeitores, podiam cometer a salvo o delito”. O padre decidiu que não mais voltaria aquele lugar e reuniu os caciques dos Tape para conhecer o quão grande era seu território - não à toa o significado de Tape é povoação grande. Mas a Candelária permaneceu como referência geográfica, pois encurtava o trajeto para subir às outras missões, uma vez que bastava subir o Rio Jaguari e atravessar a Cordilheira do Boqueirão. 

O que hoje são terras de São Francisco de Assis também abrigaram a Redução Jesuítica de São Tomé do Ibiquiti, fundada em 13 de junho de 1632, pelo Padre Pedro Romero (superior das reduções do Uruguai), juntamente com os Padres Manuel Bertot e Luís Ernot. Sua localização ficava cerca de 500 metros de onde hoje existe a Gruta de São Tomé, próxima a ERS-241. Foi a primeira Redução Jesuítica da Província do Tape e chegou abrigar 7 mil índios. Em 1638, em virtude dos ataques constantes dos bandeirantes paulistas, os padres e os índios decidiram destruir a redução e migraram para a margem direita do Rio Uruguai, criando uma nova redução onde hoje é a cidade de São Tomé, na Argentina. Os descendentes destes que partiram da Redução de São Tomé deram origem ainda a Redução Jesuítica de São Francisco de Borja (1682), mais tarde município de São Borja. Esta redução foi a primeira do segundo ciclo, considerado a fase de ouro das missões em solo gaúcho. A constante luta entre o encomendero espanhol, o bandeirante luso e o jesuíta espanhol foi uma das causas para a Guerra Guaranítica (1750/1756), quando os exércitos luso e espanhol destruíram as reduções. Em 1768, por ordem do Marquês de Pombal, os jesuítas foram expulsos e gradualmente as reduções foram abandonadas. 

Por de fato: a célula mater étnica-cultural e histórica do Rio Grande do Sul se deve em grande parte a criação das Reduções Jesuíticas-Guarani. É o contato dos indígenas com o europeu luso-espanhol e com o negro, o núcleo-primeiro da formação que, a posteriori, dará origem ao homem sul rio-grandense - herança racial idealizada no gaúcho tradicional. 

(1). Lisandro Benvegnu Lorenzoni é jornalista, pós-graduado em Leitura, Literatura e Formação e assisense com muito orgulho. 
(2). A Província Jesuítica do Paraguai foi desmembrada da Província Jesuítica do Peru. Os jesuítas dividiram-na em quatro Frentes Missionárias: Paraguai, Itatim, Uruguai e Tape. 
(3). Espanhóis donos de terra com poder na sociedade colonial. Pagavam tributos à Coroa Espanhola. Os índios eram forçados a trabalhar nas fazendas e lavouras.

Consulta Bibliográfica:
Arquivo Geral da Índias 
Coleção Pedro de Angelis. Arquivo Nacional 

Zuse, Silvana. Os Guarani e a Redução Jesuíta. São Paulo. 2009

3 comentários:

Unknown disse...

Ainda existem as Ruínas dessa redução Jesuítica nas proximidades da gruta de Tomé?

Unknown disse...

Ainda existem as Ruínas dessa redução Jesuítica nas proximidades da gruta de Tomé?

Anónimo disse...

Moro no município de Manoel Viana e pela localização dos mapas antigos, me parece que a Redução Jesuíta Candelária do Ibicui localizava-se neste municipio.

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