sexta-feira, 28 de novembro de 2014

DEGOLA DO RIO NEGRO - 23 de Novembro de 1893


A REVOLUÇÃO FEDERALISTA (1893-1895)

A Revolução Federalista ocorreu no sul do Brasil logo após a Proclamação da República, e teve como causa a instabilidade política gerada pelos federalistas, que pretendiam “libertar o Rio Grande do Sul da tirania de Júlio Prates de Castilhos”, então presidente do Estado.
Empenharam-se em disputas sangrentas que acabaram por desencadear uma guerra civil, que durou de fevereiro de 1893 a agosto de 1895, e que foi vencida pelos pica-paus, seguidores de Júlio de Castilhos.
O Partido Federalista do Rio Grande do Sul foi fundado em 1892 por Gaspar Silveira Martins. Em tese, defendia o sistema parlamentar de governo e a revisão da Constituição, pretendendo o fortalecimento do Brasil como União Federativa. Desta forma, esta filosofia chocava-se frontalmente contra a constituição do Rio Grande do Sul de 1891. Esta era inspirada no positivismo e no presidencialismo, resguardando a autonomia estadual, filosofia adotada por Júlio de Castilhos, chefe do Partido Republicano Rio-grandense, e que seguia o princípio comtiano-positivista das “pequenas pátrias”.
Os seguidores de Gaspar da Silveira Martins, Gasparistas ou maragatos, eram frontalmente opostos aos seguidores de Júlio de Castilhos, castilhistas ou Pica-paus.
As desavenças iniciaram-se com a concentração de tropas sob o comando do maragato João Nunes da Silva Tavares, o Joca Tavares, barão de Itaqui em campos da Carpintaria, no Uruguai, localidade próxima a Bagé.
Logo após o potreiro de Ana Correia, vindo do Uruguai em direção ao Rio Grande do Sul, encontrava-se o coronel caudilho federalista Gumercindo Saraiva.


DEGOLA DO RIO NEGRO - Textos de Paulo Monteiro

Um dos episódios mais vergonhosos da História do Rio Grande do Sul ocorreu no dia 28 de novembro de 1893, no atual município de Hulha Negra, estação ferroviária de Rio Negro, às margens da Lagoa da Música.

No dia 24 de novembro o general João Nunes da Silva Tavares (Joca Tavares), comandante em chefe de todas as forças federalistas, acampou no Passo do Valente, ordenando que uma força sob o comando do tenente-coronel Valdomiro Rolim destruísse a linha férrea entre Rio Negro e Bagé. Ali permaneceu até as 2 horas da madrugada do dia 26, quando marchou para a estância de Hipólito Soares, reunindo-se com o general David Martins, ao clarear do dia. Marchou imediatamente para a estação de Rio Negro, ali chegando às 11 horas, após por em disparada uma força que tentou obstar-lhe a passagem.

Francisco da Silva Tavares (Chico Tavares), irmão do general maragato, conta, em seu diário, com base em informações da imprensa uruguaia, publicadas em 5 de dezembro seguinte, que a uns 250 metros da estação, os republicanos, estenderam linha de resistência. Tiveram de entrincheirar-se e sempre que ali se erguia uma cabeça era estraçalhada pelos atiradores maragatos.

Um grupo de republicanos entrincheirou-se numa casa de cerca de pedras, que foi desocupada, antes de clarear o dia 27, pelo Batalhão Antônio Vargas, da Divisão de Santana, comandado pelo major Bento Xavier, com a proteção de um piquete de lanceiros sob as ordens do coronel Boaventura Pereira Leite e do major Pedro Machado Leal. Mais do que proteger seus infantes, os lanceiros rebeldes, aos gritos de vida a revolução, enfrentando uma chuva de balas dos republicanos, passou pelo batalhão que protegia, levando os defensores da casa de encontro ao aterro da estrada de ferro.

Esta ação deixou os defensores confinados em uma casa e na estação e resultou na tomada de um vagão carregado de munições para Comblain, estacionado em frente à estação. Com essa vitória Joca Tavares ordenou que fosse entregue proposta para que os cercados se rendessem. O coronel Manoel Pedroso de Oliveira (Maneco Pedroso), com um piquete, saiu para comunicar a resposta do general Isidoro Fernandes de Oliveira de que ninguém se renderia enquanto existisse um soldado do 28º de Infantaria. A dar meia volta, o enviado de Joca Tavares "foi tocado à bala pelo piquete de Pedroso".O combate durou até a noite, durante a qual foram efetuadas diversas tentativas de fugirem ao cerco, sempre repelidas pelos revolucionários.

O combate continuou até as 11 horas. Os sitiados levantaram bandeira branca, "pedindo general Isidoro garantias de vida para si e os oficiais do 28º de Infantaria, sendo os prisioneiros todos entregues na coluna do general David Martins". Durante o resto desse dia e no dia seguinte os revolucionários se dedicaram encaminhar os feridos de ambos os lados a um hospital de sangue montado em casa próxima e a recolher material bélico encontrado na estação.

No dia 29 Joca Tavares mandou um próprio a Cerro Largo passando um telegrama ao ministro da Guerra em que era proposta a troca do general Isidoro e de todos os oficiais do Exército feitos prisioneiros pelo seu irmão, coronel Facundo da Silva Tavares, preso em Porto Alegre. O ministro respondeu que aceitava a proposta desde que toda a força de linha fosse incluída. No dia seguinte Joca mudou o hospital de sangue para a Charqueada da Industrial Bageense, em Quebrachinho, mandando seu irmão, genro e afilhado coronel José Bonifácio da Silva Tavares (Zeca Tavares), com uma divisão, apertar o cerco sobre Bagé.

Em parte constante do Diário de Joca Tavares, assinando como "general", David Martins, conta que ele é quem recebeu o pedido de garantias de vida e que este foi feito pelo tenente-coronel Donaciano de Araújo Pantoja. Entretanto, não lhe foi possível comunicar que essa garantia só poderia ser dada por Joca Tavares, que não se encontraria nas proximidades. Não lhe foi possível comunicar isso porque ao chegar ao local tomado a confusão era muito grande.

David Martins afirma que o número de prisioneiros foi superior a 900 homens e que estes entregaram "304 Comblain, 154 reffles, 39 clavinas Minié, 10 Chassepot, 4 Remingtons de infantaria, 19 lanças e mais 25.000 cartuchos embalados de Nagant, e Winchesters, 19.850 idem de Comblain e 110 ditos de Remingtons" (...). Lista, a seguir, oficiais superiores feitos prisioneiros, acrescentando que o número de mortos, entre oficiais e praças, foi de aproximadamente 400 e entre 90 e 100 feridos. Lista, dentre seus subordinados oito mortos e 32 feridos.

DOCUMENTO Nº

"Quartel do Comando do 4º Corpo do Exército Libertador em Operações na Fronteira de Bagé. - Parte. - Exmo. Sr. Em virtude dos deveres militares a que nos impusemos, a fim de libertar a pátria do jugo da ignóbil tirania implantada em nossa terra, pela ignóbil ditadura do Marechal Floriano Peixoto, cumpre-me levar ao conhecimento de V. Exa. o ocorrido nas forças do meu comando, no combate ferido nos dias 26, 27 e 28 do p. pdo. No dia 26, a 3ª Brigada, ao mando do Corel Manoel Machado Soares, sob as ordens de sua exa. o General Pina, fazendo a vanguarda das forças do dito General, encontrando o inimigo nas proximidades da Estação do Rio Negro, com ordem do mesmo general, carregou sobre a força inimiga, obrigando-a a retirar-se às suas trincheiras. No mesmo dia, a 2ª Brigada ao mando do Cel. David Manoel da Silva, marchando na vanguarda das forças sob o meu comando, isto pela margem esquerda do Rio Negro, comunicou-me o dito Coronel ter encontrado o inimigo, em vista do que mandei que fizesse alto, ficando aí em observação, onde também ordenei a aproximação da 1ª Brigada ao mando do Cel. Ulisses Reverbel, formando por este modo um semicírculo às forças inimigas. À tarde do mesmo dia, sustentou a 1ª Brigada diversos tiroteios com as forças do inimigo. No dia 27, de acordo com as ordens de V. Exa., às 6 horas da manhã, ao começar o tiroteio das forças do General Pina e Coronel Zeca Tavares com as do inimigo, mandei carregar a 1ª e 2ª Brigadas, o que, com seu nunca desmentido valor, fizeram, conseguindo desalojar o inimigo de suas vantajosas posições (casas em que se ocultavam, terraplano da estação e outras) obrigando-o imediatamte a recolher-se de novo às suas trincheiras. E aí, por ordem de V. Exa., conservou-se o inimigo em sítio, desde às 8 horas da manhã até às 11 do dia 28, hora em que de seu reduto, baixando a bandeira de guerra, içaram a de parlamento, e, como ao encontro de seus enviados fosse imediatamte o Tente-Cel Francisco Wenceslau Pereira, que trazendo-me este a comunicação de que o Tente-Cel Pantoja, no comando daquela guarnição, entregaria o reduto mediante garantia de vida para si e seus comandados; para cuja resposta ordenei ao cidadão Paulino Vares, que antecedentemente prestara durante o combate valiosos serviços, que se dirigisse de novo ao reduto e comunicasse aos suplicantes, que, de meu arbítrio, aceitava a rendição com a garantia pedida para os criminosos políticos. Dependendo, no entanto, esta resolução, da aprovação de V. Excia. o General em Chefe cidadão João N. da Silva Tavares, que dentro de duas horas se acharia no lugar do sítio. Porém, não me foi possível, pela aglomeração de forças que se dirigiam à trincheira, tendo em vista garantir a ordem rendendo-se então o inimigo em número superior a 900 homens, entregando 304 Comblain, 154 reffles, 39 clavinas Minié, 10 Chassepot, 4 Remingtons de infantaria, 19 lanças e mais 25.000 cartuchos embalados de Nagant, e Winchesters, 19.850 idem de Comblaine 110 ditos de Remingtons, cujo armamento e munições acham-se distribuídos por diversos Corpos. Entre os prisioneiros contam-se os seguintes oficiais: Marechal Isidoro Fernandes de Oliveira, Tente-Cel. Donaciano de Araújo Pantoja, Major Eduardo Augusto Ferreira de Almeida, Major (patriota) Francisco Antônio Meirelles (por alcunha Matão); Capitães Luís Manoel da Silva Dauto, Joaquim Maria Soares, Camilo Brandão, Tenentes Leôncio Xavier da Silva, Armando Sires, Vicente Ferreira Alves, Horário Castro Canto, Leopoldo Dantas do Amaral, e os Alferes Miguel Rodrigues Barcellos, Inácio Fontoura Parrot, Laurindo Vieira, Idalício Basarem Ferreira, Napoleão Cavalcante, Antônio da Cunha Mesquita, Artur Gomes, Custódio Lopes Pereira, Virginio Antônio de Campos, José da Costa Vasconcellos, José Figueira Neves, Luís Xavier e Francisco de Paula Costa, ficando mortos no Campo de Combate os seguintes Chefes governistas: Coronel Manoel Pedroso de Oliveira, Tente-Coronel João Alves, Tente-Coronel Candido Garcia, Tente-Coronel Ismael Proença, Tente-Coronel Utalis Lup, Tente-Coronel Rufino Nunes, outros oficiais superiores e subalternos atingindo o número de mortos entre oficiais e praças, aproximadamente a 400 homens e feridos de 90 a 100, mais ou menos. Temos a lamentar as baixas de nossos companheiros da 12ª Brigada, mortos: o Major assistente Modesto Alves, Capitão Caetano Emílio Palmeiro, Tente Antônio Altino Arosteguy e três praças de pret; feridos: Tente-Cornel Comandante do Batalhão Antônio Vargas Dr. Francisco Cabeda e os Alfres Leandro Vicênio, Serafim Pinto, Alexandre Napoleão Gomes, ex-aluno da Escola Militar, Aristóteles de Sena Braga e 16 praças de pret da 2ª Brigada, mortos: Alfres Avelino Bagestero e 1OSargento Rufino Cherife; feridos: o Major Fiscal João Antônio Rita, Tente Paulino Lanha e 9 praças depret. Fazendo justiça aos meus comandados, é de meu dever declarar a V. Exa. que, tanto os comandantes de Brigadas como de Corpos, demais oficiais e praças, portaram-se, como de costume, com o maior denodo, intrepidez e coragem possível; é que a sua bravura, apesar da justiça da nossa causa, torna-se invencível, o que afirmam os constantes triunfos de nossas armas; outrossim, o meu Estado Maior, não menos valor ostentou durante o Combate, prestando-se para todo o serviço, sem distinção de lugares ou ocupações. Aproveito a oportunidade para congratular-me com V. Exa. pela esplêndida vitória alcançada pelas nossas forças, onde mais uma vez a razão esmagou o erro. Saúde e Fraternidade Ao Exmo. Sr. General João N. da Silva Tavares, Digmo General em Chefe do Exército Libertador (Assim.) David Martins Gral"

Um detalhe que os historiadores da Revolução Federalista ignoram, sistematicamente, é a denúncia feira pelo coronel Marcelino Pina d'Albuquerque, a general Joca Tavares, em 15 de setembro de 1893, sobre um plano preparado pelos republicanos para envenenar os chefes federalistas. Para conseguí-lo, infiltrariam um agente entre os revolucionários. Em novembro de 1893 era grande o número de praças que desistiam de Bagé e de outros pontos, apresentando-se aos revolucionários. Dentre os desertores estava Raul Maurell. Falava mal dos governos de Floriano Peixoto e Júlio de Castilhos, o que deve ter levantado suspeitas entre os maragatos. Joca Tavares recomendou ao coronel Noronha que assim que Maurell se apresentasse fosse encaminhado ao comandante militar supremo da revolução. Levado à presença do tenente-coronel, o desertor foi retirar do bolso um lenço e, do meio deste caiu um vidro, "em cujo rótulo lia-se - "Estriquinine - Christalissée - estava a rolha lacrada e com a sineta da Farmácia Paris. Ao fim e ao cabo confessou que o veneno lhe fora entregue pelo marechal Isidoro Fernandes de Oliveira, com a promessa de que se conseguisse envenenar os chefes federalistas seria promovido a alferes e receberia uma grande gratificação. Submetido a conselho de guerra, foi condenado à morte, mas acabou sendo perdoado por Joca Tavares que, que o conservou em seu piquete e, mais tarde, a seu pedido, deixou que partisse para o Uruguai.

Raul Maurell, no Rio Negro, ao ver o marechal Isidoro Fernandes de Oliveira prisioneiro, insistiu, acompanhado por diversos oficiais federalistas para que fosse feita uma acareação entre ambos sobre a questão do envenenamento. Joca negou-se a permiti-lo, pois Isidoro era marechal do Exército Brasileiro. Na verdade, como se viu acima o general maragato queria mesmo era usar o prisioneiro como moeda de resgate para a liberdade de Facundo Tavares.

Como vimos antes, no dia 30 Joca Tavares deixou o local do combate do Rio Negro, passando a comandar pessoalmente o cerco a Bagé. Ali, no dia 4 de dezembro, recebeu, através do médico Pedro Osório, do farmacêutico Armando Loureiro e do dr. Verísismo Dias de Castro, um ofício do coronel Carlos Telles noticiando que recebera informações levadas por mulheres procedentes de Rio Negro e outros lugares de que todos os oficiais e praças, rendidos em Rio Negro, inclusive os feridos do 28º de Infantaria e até mesmo seu comandante, tenente coronel Donaciano de Araújo Pantoja, haviam sido degolados.

Carlos Telles, com a energia que o imortalizaria mais tarde Euclides da Cunha em páginas famosas de Os Sertões, intima Pedro Osório, Armando Loureiro e Veríssimo Dias de Castro a irem à Charqueada da Industrial Bageense e que de lá conduzam para o hospital militar de Bagé todos os feridos do 28º Batalhão e ao acampamento onde estejam os prisioneiros, trazendo declaração assinada pelo tenente-coronel Pantoja de que está prisioneiro, para que a verdade seja restabelecida.

DOCUMENTO Nº

Comando da Guarnição e Fronteira de Bagé. Constatando por declarações feitas por mulheres vindas do Rio Negro e dos acampamentos revolucionários, que estes cometeram a infâmia de degolares todas as praças e oficiais prisioneiros rendidos no combate do Rio Negro, não escapando à degolação os míseros feridos, soldados do 28º de Infantaria e o seu distinto Comandante, Tente-Coronel Donaciano de Araújo Pantoja. E sendo certo que o chefe dos revolucionários, em grande parte estrangeiros mercenários, tem por intermédio do Dr. Pedro Osório e farmacêutico Amado Loureiro e outras pessoas, mandado declarar nesta cidade e ã guarnição do meu comando, que os prisioneiros rendidos do Exército Brasileiro estão com vidas garantidas e bem tratados. Intimo aos cidadãos Dr. Pedro Osório, Dr. Veríssimo Dias de Castro e Amado Loureiro, a irem imediatamente à charqueada buscar os feridos do 28º Batalhão para serem recolhidos ao hospital militar, e ao acampamto dos revolucionários donde devem trazer declaração escrita e assinada do Tente-Crnel Pantoja de que está prisioneiro, a fim de que fique conhecida a verdade. Bagé 4 de dezembro de 1893 (Assim) Carlos Maria da Silva Telles - Crnel."

Em face do ofício de Carlos Telles, Joca Tavares mandou que seu estado maior acompanhasse a comissão ao hospital de sangue e que até ali fossem trazidos o tenente-coronel Pantoja e todos os seus oficiais do 28º que estivessem prisioneiros. Diante dos seus superiores e dos comissionados os feridos foram questionados se estavam bem tratados, o que confirmaram, e que queriam ser transferidos para Bagé, ao que se recusaram. Pantoja reuniu seus oficiais e redigiu uma declaração assinada por todos, dizendo que não tinham sido degolados, que estavam sendo bem tratados e que ali desejavam permanecer.

No mesmo dia Carlos Telles enviou nova correspondência a Joca Tavares em que o provocava por manter a cidade em longo cerco e, tocando nos brios do velho general, de certo modo desafiava-o a atacar Bagé. Em carta anexa protestava contra a proibição proibindo a entrada dos leiteiros, fazendo com que crianças pobres estivessem quase morrendo de fome. Protesta contra a destruição da linha férrea e o incêndio de pontes. Joca responde que oportunamente satisfará todos os desejos belicosos do adversário. E mais, se ele tem tantos alimentos como alardeia que os reparta com a população civil.

Voltando à degola de Rio Negro. Todos os historiadores atribuem responsabilidade direta pelo massacre ao coronel Zeca Tavares, irmão, genro e afilhado de João Nunes da Silva Tavares. Alguns como o norte-americano Joseph L. Love, citado por Carlos Reverbel, dizem que um único homem, o tenente-coronel mulato Adão Latorre, degolou todos os prisioneiros. Reverbel afirma ser impossível uma única pessoa, sem o concurso de outras facas tenha cortado, ato contínuo, mais de 300 gargantas.

Os historiadores também divergem quanto ao número de prisioneiros executados, como podemos ver nesta passagem de José Patrocínio Motta: "Os governistas deixaram-se surpreender em campo raso e foram sitiados por todos os lados. Os revolucionários eram muito mais numerosos e dispunham da cavalhada recebida em São Sepé. Renderam-se os governistas e foram mortos 300 prisioneiros, inclusive o Cel. Manuel Pedroso, de Canguçu, segundo o historiador Ferreira Filho. Segundo Rocha Pombo, foram 400 ou mais os prisioneiros mortos".

Cláudio Moreira Bento, apoiando-se nos Apontamentos Históricos para a Revolução de 1893, de Wenceslau Escobar, que a degola foi efetuada pelo uruguaio Adão Latorre, auxiliado por uma companhia de mercenários argentinos de Corrientes. O conhecido historiador militar afirma que, à exceção de uma alferes do Exército de nome Napoleão e de um outro oficial do 28º BI, que protestaram contra a degola dos prisioneiros, e foram fuzilados, todos os outros executados eram civis. Um oficial civil, de Pinheiro Machado, suicidou-se para evitar a degola.

O "alferes Napoleão" de que fala Cláudio Moreira Bento, deve ser o alferes Napoleão Mesquita, listado entre os prisioneiros que constam na Ordem do Dia assinado pelo coronel maragato David Martins.

Os prisioneiros foram recolhidos, como se gado fossem, a uma mangueira de pedra, usada para conter animais, e dali eram retirados para serem degolados. Muitos foram lançados dentro de uma lagoa, o que gerou a lenda de que, à noite e ouvido o toque de um clarinista ali executado. Daí o nome que se popularizou de Lagoa da Música.

Verdade ou lenda, é repetido o diálogo que teria havido entre o coronel Manuel Pedroso de Oliveira e Adão Latorre.
- Adão, quanto vale a vida de um homem valente e de bem?
- Valente, sim. De bem... não sei. A vida de um homem valente
muito, a tua não vale nada. Está no fio da minha faca, não há dinheiro que pague.
- Pois então degola, negro filho da puta.
E acrescenta que segundo a história oral, após esse ligeiro diálogo, Maneco Pedroso firmou-se num arbusto e ergueu a cabeça para favorecer o trabalho do algoz.

Parte dos executados foi lançada dentro da lagoa e parte amontoados sobre uma grande fogueira, onde foram queimados. Diversos tiveram as cabeças decepadas e erguidas sobre estacas. As chamas e a fumaça, como pano de fundo para as cabeças erguidas, tornavam o cenário ainda mais macabro.

Em nota ao seu diário Joca Tavares reconhece a degola, mas tenta justificá-la nos seguintes termos:
"As baixas do inimigo nesse combate nos dias 26, 27 e 28, (segundo as partes) atingiram de 280 a 300 homens, havendo em um banhado próximo ao reduto da força do governo, um piquete de 15 homens federalistas, todos degolados, que saíram em reconhecimento e foram pegos pelo famigerado assassino Cândido Garcia, das forças governistas.

Muito se falou na matança do Rio Negro, não foi como exploraram, contaram como assassinados todos os corpos que encontraram no campo e reduto, (esquecendo-se da hecatombe do Boi Preto, onde sem haver guerra, degolaram impunemente duzentos e muitos federalistas em um só dia). No Rio Negro, foram passados pelas armas somente os ladrões e assassinos de maior nomeada, já denunciados em documento público e oficial, João B. da Silva Telles, e em número de 23, cujos indivíduos, em virtude das ordens que tinham do governador do Estado, e sabendo com isso serem agradáveis ao seu chefe Castilhos, matavam a todos os adversários que encontravam, e quando a vítima era de posição social, ou influência política, trucidavam o cadáver, mandando as orelhas de presente ao seu chefe".

O documento a que Joca Tavares faz referência é um telegrama expedido de Bagé pelo general João Telles ao presidente Floriano Peixoto, ä 2 de novembro de 1892, onde consta a seguinte passagem:
"Os coronéis Mota e Pedroso chefes republicanos em Canguçu e Piratini e mais o Tem. Cel. Cândido Garcia aqui de Bagé, são os maiores ladrões e bandidos do Rio Grande e a eles se deve este estado de Coisas".

Em outra parte do telegrama há este trecho explícito:
"V. Excia. Não faz idéia dos horrores que aqui se tem praticado. Os assassinatos são em número muito elevado, pois por toda a parte, se degola homens, mulheres e crianças como se fossem cordeiros".

Tavares, João Nunes da Silva. Diários da Revolução de 1893, Tomo II. Porto Alegre: Memorial do Ministério Público, 2004. Páginas 70 e 71.
Tavares, Francisco da Silva. Diários da Revolução de 1893, Tomo I. Porto Alegre: Memorial do Ministério Público. 2004. Página 146.
Tavares, João Nunes da Silva. Op. cit., p. 72.
Tavares, João Nunes da Silva, Id. P. 72.
Tavares, João Nunes da Silva, Ib. Págs. 73 a 75.
 Tavares, João Nunes da Silva. Diários. Págs. 55 e 56.
Toda essa história, em seus mínimos detalhes, está narrada por Joca Tavares, entre as páginas 63 e 66, da edição em epígrafe.
 Reverbel, Carlos. Margatos e Pica-paus. Porto Alegre: L&PM Editores, 1985. P página 55.
Motta, José do Patrocínio. Causas e Efeitos da Revolução de 1893, in Fontes Para a História da Revolução de 1893. Bagé: FAT/URCAMP. Página 88.
 Bento, Cláudio Moreira. História da 3ª Região Militar. 1889-1953, Volume II. Porto Alegre, s/ ed. 1995. Página 98
Reverbel, Carlos. Op. cit. Páginas 53 e 54.
Tavares, João Nunes da Silva. Id. Pág. 72.

Detalhes sobre esse telegrama podem ser conferidos na História da 3ª Região Militar, 1889-1953, Volume II, de Cláudio Moreira Bento. Páginas 87 e seguintes. O historiador faz uma defesa apaixonada dos acusados, negando-lhes a pecha de "ladrões e assassinos".
Extraído do http://www.projetopassofundo.com.br/


  O COMBATE DE RIO NEGRO
Antonio Augusto Ferreira

Rio Negro foi assim, mais que um combate,
foi todo um dia devotado à fera,
e a gente viu as presas da pantera
cravarem-se mortais na carne humana
no lugar preferido: a jugular.

Rio Negro, como palco que era verde,
ficou tomado de vermelho e preto,
e a gente viu a força com que o ódio
irrompe dessa audácia que há no homem
pra dar lugar à fúria do animal.

O combate era entre tropas da fronteira,
homens forjados no calor da guerra
que nesse dia fez tremer a terra
com sentenças de morte sem defesa.
Foi condena de tantos, que eram bravos,
e vendo-se perdidos, soltam armas,
mas tombam degolados no holocausto
pra que o ódio se espoje no banquete
e a fera possa devorar a presa.

Essa revolução vinha de longe,
tava estampada n’alma e nos pescoços.
A cor de lenço era o brasão dos moços
que os unia ao caudilho do lugar.
93 já tinha feito estragos
nas heróicas cargas a cavalo;
e as mortes a fuzil e a ferro branco
semeavam carniças pelo pago.

O combate em Rio Negro foi terrível.
Joca Tavares, do quartel de João Francisco,
com 3.000 homens, em manobras ágeis,
cerca e envolve a força governista.
Já não dá mais pra resistir na guarda,
a desvantagem em número e terreno
obriga os homens a depor as armas.

Ao todo são 300 prisioneiros
que estão agora maneados na mangueira.
O comandante vencedor se afasta,
mas e quem é que fica em seu lugar?

Pois é aí que surge no cenário
a figura mortal de Adão Latorre,
de faca em punho pra tratar dos presos.
É que ele tinha contas a ajustar.

Manda trazer pra fora os prisioneiros,
um por um, despojados e maneados,
vêm sendo apresentados pra sentença.
A razão é indiferente na degola
e a decisão dispensa os argumentos.

A execução começa sem rodeios:
amunta no cangote do vivente,
a mão esquerda puxa-lhe os cabelos,
enquanto a faca abre dois buracos
na carótida que esguicha o sangue quente.

É degola brasileira a que pratica
nesse começo mais que criterioso
de matar prisioneiro a sangue frio.

Vem outro condenado - um salto, o talho;
a mão, as roupas se empapando em sangue
aumentam o furor do coronel.
Esse bodum de sangue, suor e fezes
e o terrível odor que tem a morte
atrai a cachorrada do galpão
que vem lamber as poças no local.

Uma carroça embarca o degolado
depois que ele exercita os movimentos
subseqüentes ao golpe da degola:
primeiro vem o talho e a golfada.
depois, pára de pé, ensaia uns passos,
solta uns gritos e uns roncos de terror,
estremece, cai e se contorce até a morte.

Latorre afia novamente a faca,
parece conhecer o seu ofício,
mas à medida que lhe espuma o ódio
muda de tática, mostra outra maneira
de passar um cristão no fio da faca..

É a “criolla”, a que exige menos,
não requer cuidados nem perícia,
o talho a trafegar de orelha a orelha,
um golpe só, cortando artérias, goela,
igual a quem, não sabendo, sangra ovelha.

O prisioneiro Pedroso é altaneiro
mas tenta negociar com a facínora:
“- Quanto vale a vida, Adão,
de um homem bueno e valente?”
“- Valente sim, vossimecê,
mas bueno não, pelo que andou fazendo.
A tua nada vale, tá no fio da minha faca”.
Pedroso sente o calor da antiga luta,
levanta o queixo, entesa o corpo, afronta a faca:
“- Então degola, negro fiadaputa!”. (*)

O local tá virado em sangue e barro
numa pasta que já vai se grudando
nas botas dos soldados.
Os caranchos estão sentados
nos galhos dos umbus
à volta do massacre..

O carroceiro leva os corpos quentes
pr’uma lagoa,
jogando-os n’água para que se afundem.
Essa lagoa passou a chamar-se “Música”
pois dizem que os gemidos dos coitados
ainda hoje assombram essas plagas.

Vem notícia pior da beira d’água:
uma vara de porcos esfomeada
pressentiu o fartum da carne fresca
e está devorando alguns cadáveres
pois não deu tempo de os jogar no fundo
ficando alguns largados pela margem.

Ao todo são trezentos os da faca?
Ainda hoje se discute o número
dos sangrados neste dia, no Rio Negro.

E o que ficou desse macabro fato,
que teve represália no Boi Preto,
onde outro coronel, um outro bárbaro,
deu o troco de moeda de igual peso?
Ficou-nos esse quadro de tragédia
que não se apaga nunca, nem num século,
e mancha tão profunda nossa alma
quanto denigre a história conterrânea.

Rio Negro foi assim, mais que um combate,
foi todo um dia devotado à fera!

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