Quando eu era criança, até os 11 anos, morei para fora, lá no 5º distrito Vista Alegre ou Farinheiro, mas era lá e a minha Mãe era a professora.
Haviam muitos alunos, era da 1ª a 4ª série, e muitos desses alunos tronaram-se adultos e nos perdemos pelas estradas da vida. Um dia eu reencontrei uma família, infelizmente, num momento de dor deles, pela passagem da Dona Júlia e podemos recordar tanta coisa que havia adormecido em mim.
Lembro que, quando criança, em alguns domingos, nós íamos lavar pelegos lá na Sanga que ficava ao lado da casa da Dona Júlia e seu Delalibera. Uma casa de madeira muito simples, ao lado de uma lavoura de milho e a Mãe avisada a Eni, o Jorge, o Orestes, a Joeci, a Joceli, o Cebinho, (que era o mais novo e não lembro o nome e acho que tinha mais), para a dona Julia que íamos lá.
E na simplicidade daquela casa, a dona Julia fazia Cuscus doce, assado no forno, para tomarmos com leite - Essa imagem nunca mais me saiu da cabeça e nessa conversa que tivemos, vieram tanta histórias, então transformei em versos e o Fabricio Vargas gravou com a guitarra de Kayke Mello - no seu CD e hoje anda declamada pelos rodeios de CTGs.
Deixo para vocês:
Costurei as folhas amareladas do tempo,
Para refazer tecidos na calmaria das eras...
E a vida boa, que foi colcha de retalhos,
Retrucou o tempo por se sentir tapera.
Meus olhos verdes, de semblantes tesos,
Desgastaram-se na escuridão de mim,
E as rugas fartas foram talhando a fronte,
Replantando sonhos pra chegar ao fim!
Assim foram os meus dias:
- de sonhos e de saudades!
Dias vividos numa infância pobre,
Pés descalços... olhos ligeiros...sorriso franco.
Os medos que atormentam os meus sentidos,
Não eram somente meus...
Não eram somente teus...
Não eram somente nossos.
Eram medos de que a infância fosse...
...não voltasse mais!
E ela foi...e não voltou.
Cresci como crescem as crianças:
- arteiras, a ziguezaguear o tempo.
- peraltas, a brincar consigo.
- levadas, a inventar um mundo,
mas simples e cativas a sonhar assim.
A estradas de pedras, de poeira e grama...
As águas correntes de um sanga rasa...
As sombras copadas de jasmineiros livres...
E as fumaças brancas das chaminés altas,
Ainda vivem à me remoer lembranças...
Tão velhas e tão novas que se confundem em mim.
Teu bolo de milho e o pão de forno...
O cuscuz quente a queimar-me os dedos.
O cheiro do café a borbulhar na chapa,
Nas tardes lindas a me contar segredos.
Como pode a gente viver assim?
Lembranças antigas a nos cortar em tiras,
E um coração que foi doce, vai chegando ao fim,
Cansou-se da espera, enquanto a roda gira.
Dói a incerteza que o tempo nos revela,
De tantas partidas e saudades guardadas,
O rancho pobre de uma riqueza infinda...
Hoje é um retrato, à emoldurar ao nada!
E aqueles que habitavam meu sonho criança,
Também partiram sem me dar adeus...
Profundos pesares deste sonho peregrino,
Que habita um peito na solidão dos meus.
Retalhos de infância, se eu pudesse tê-lo...
Costuraria de novo cada parte ausente...
E far-te-ia de abrigo para esta alma fria...
Que morre aos poucos longe da minha gente.
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